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O paradoxo das políticas anti-imigração

Ao longo dos últimos artigos temos vindo a desfazer alguns dos mitos associados à imigração. Vimos que diferentes narrativas que se difundem pela internet e mesas de café, tendencialmente simplistas, não correspondem à verdade.

Ao longo deste ciclo de artigos foram abordados mitos como:

O último dos mitos aqui tratados é o de que as políticas anti-imigração são a solução para estancar o fluxo de imigração. Esta posição assenta na ideia de que, ao dificultar os processos de entrada, nomeadamente, através da construção de muros, critérios mais exigentes para a entrada de cidadãos de outros países ou a imposição de quotas, criará custos maiores face aos benefícios de imigrar, fazendo com que as pessoas desistam de imigrarem para esse mesmo país.

Paradoxalmente, estas medidas, que traçam a sua origem às décadas finais do século XX, têm consequências opostas às que pretende contrariar.

Os migrantes tendem a organizar a sua vida em função de dois países. Este planeamento individual também se revela num movimento circular entre o país de origem e o de destino. Quando existe a hipótese de a fronteira se fechar, os imigrantes deixam de ser temporários para se estabelecerem tendencialmente de um modo definitivo no país de acolhimento, uma vez que se pensa não conseguir voltar a entrar caso saia do país. Isto também tem implicações na dinâmica familiar, uma vez que se tende a processar movimentos de reagrupamento familiar ou imigração antecipada, uma vez que ocorrerá o fecho.

Este fenómeno aconteceu com os guest workers (trabalhadores temporários) portugueses ou espanhóis que imigraram para a França ou Alemanha no pós-Segunda Guerra Mundial e mais recentemente aquando do Brexit. Assim que os países começaram a impor barreiras, nomeadamente, através do fecho de fronteiras, a imigração líquida aumentou de um modo considerável. No exemplo britânico, a imigração líquida passou de 275.000 em 2019 para 504.000 em 2022, e no caso dos Estados Unidos da América, não consta que a entrada de imigrantes ilegais provenientes da América Latina tenha diminuído.

Não apenas isto se verifica, como também, o recurso a outras vias legais para estabelecimento no país desejado. Se não é permitida a entrada com visto de trabalho, diferentes pessoas tentarão mover-se para outro país justificando motivos familiares (ex: cuidar de um familiar que já é residente, casamento, etc.), mas também podem ficar após o visto de turismo ter expirado, passando à ilegalidade (este um dos maiores motivos de permanência ilegal).

Por outro lado, outra consequência passa pelo efeito waterbed. Este efeito, parte da comparação dos fluxos migratórios com um colchão de água, onde ao pressionar uma das partes aumentará a pressão noutras zonas. Uma das faces visíveis deste fenómeno encontra-se nas restrições à imigração a pessoas de determinadas nacionalidades que se concretiza numa reorientação do fluxo migratório. Por exemplo, a imigração de pessoas de nacionalidade marroquina aumentou no sul da Europa, na sequência da imposição de restrições voltadas a pessoas daquela nacionalidade em países como a França, Bélgica ou Países Baixos.

Adicionalmente, é comum alguns imigrantes residirem temporariamente num país onde seja menos complicado obter uma autorização de residência para, após essa autorização, se mudarem para o país que originalmente tinham em mente. Nalguns casos, inclusive, dá-se o reagrupamento familiar (quando um dos cônjuges emigra e o outro se junta posteriormente) nesse país e movendo-se toda a família após toda a situação legalizada e com maior liberdade de movimentação para outros países.

Além destes exemplos, quando as regras de entrada de num país ficam mais apertadas, mais concretamente, com grandes entraves à entrada, assiste-se a um crescimento de fluxo de ingressos por vias ilegais, como o cruzamento da fronteira em zonas menos vigiadas, mas também através de embarcações controladas por redes de tráfico e contrabando.

As políticas anti-imigração, embora possam reduzir no curto prazo a entrada de pessoas no país, no médio e longo prazo provam-se ineficazes. As pessoas movimentam-se entre países de um modo tendencialmente temporário, mas que pode assumir um caráter definitivo se as dificuldades em reentrar forem maiores. Aquando da adesão à União Europeia por parte dos países do Leste europeu e, consequentemente, da possibilidade de livre-circulação, não se verificou uma “invasão” por parte de cidadãos daqueles países para o Reino Unido, França ou Alemanha. Por outro lado, sempre serão encontradas formas diferentes de entrar no país desejado, seja através do recurso a outros canais legais como ilegais.

Finalmente, parte deste mito assenta numa crença generalizada de que as fronteiras estão escancaradas e que existe um descontrolo total. Podem estar mais abertas para pessoas de algumas nacionalidades, no caso português, para pessoas da CPLP ou UE, mas estão muito menos abertas para cidadãos de outras nacionalidades. Ainda assim, como vimos, a procura por imigrantes parte das empresas que precisam de mão de obra.

O motivo das políticas anti-imigração falharem no médio e longo-prazo, deve-se ao facto de uma incompreensão, por parte dos políticos, do funcionamento de fenómenos migratórios. Ao se concentrarem mais no número de entradas de pessoas, mas sem terem em conta o modo como se movimentam, têm uma visão distorcida e simplista sobre algo que é complexo e multifacetado.

A preocupação não deve centrar-se tanto no volume de entradas, mas em políticas que favoreçam a integração desta população e que também tenha em conta as tensões sociais entre os diferentes grupos sociais, cooperação internacional eficaz que permita enfraquecer as redes de tráfico e contrabando, mas também a criação de um enquadramento legal que permita sistema de imigração humanista.

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