Imigração: fardo ou contributo?

Uma realidade a que já nos habituámos é o encontro diário com imigrantes. Nos transportes públicos, em quem nos coloca o café na mesa ou nos serve no restaurante e mesmo quando ligamos para um serviço de atendimento ao cliente.

A presença constante de imigrantes, conjugada com um certo pessimismo em relação a melhores perspetivas futuras e discursos da extrema-direita, tem contribuído para criar um conjunto de mitos relativamente aos imigrantes. Entre estes, conta-se que a entrada de tantos imigrantes faz com que os portugueses sejam empurrados para a emigração ou o desemprego. Outros há que defendem que os imigrantes são um fardo para os contribuintes portugueses, porque vêm, não trabalham e vivem de subsídios.

Os imigrantes roubam os empregos aos portugueses?

Segundo o Relatório de migrações e asilo 2023, existem cerca de 1 044 606 pessoas[1] imigrantes em Portugal, perfazendo 9,8% da população residente. Destes, segundo os Censos de 2021, a maioria (~80%), está em idade ativa, ou seja, é o trabalho[2] o seu principal meio de subsistência.

Boletim Económico[3] do Banco de Portugal indica que os imigrantes representam cerca de 13% do número total de trabalhadores por conta de outrem[4], o que assume um maior peso em concelhos com atividade agrícola significativa. Sabemos, também pelo mesmo boletim, que a maioria dos trabalhadores estrangeiros se concentra nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, no litoral alentejano e no Algarve. É nos setores das atividades administrativas, alojamento e restauração, e construção que mais se fazem representar[5]. Do ponto de vista do peso de estrangeiros no total de trabalhadores por setor de atividade, destaca-se agricultura e pesca, alojamento e restauração, atividades administrativas e construção.

A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho apresenta particularidades. Enquanto alguns se destacam como empreendedores, a maioria ocupa funções de baixas qualificações em setores onde a remuneração é inferior à média nacional. Essa discrepância salarial é evidente: se para um trabalhador nacional, a remuneração mediana situa-se entre 902€ e 945€, a mesma mediana para os trabalhadores estrangeiros situa-se entre 769€ e 781€. Essa diferença salarial reflete a concentração dos imigrantes em setores que exigem menor qualificação.

Pelos setores de atividade onde estão inseridos e pela localização geográfica, facilmente se percebe que não há “roubo” de empregos aos portugueses, sendo muito duvidoso que façam atividades nas quais não queremos trabalhar, seja porque ocupam postos de trabalho vagos ou porque a economia cresceu, tendo sido criados postos de trabalho.

Quanto ao roubo de empregos, isso não seria logicamente possível, pela taxa de desemprego relativamente baixa (6,1%). Pelos setores de atividade, como a agricultura e pescas (onde 4 em cada 10 trabalhadores são imigrantes), é por demais conhecida a falta de mão de obra, fruto do êxodo para meios urbanos e envelhecimento da população, no caso dos meios rurais, mas, também, pela predominância do setor terciário na economia, que tende a empregar pessoas com maiores qualificações, sobretudo concentrando-se nas cidades.

Imigrantes vivem da Segurança Social?

Como vimos na secção anterior, se a maioria trabalha, não reúne condições para viver exclusivamente de contribuições da Segurança Social. Na verdade, a sua realidade não é tão “glamourosa” como a extrema-direita nos quer fazer crer.

retrato da população estrangeira e dos fluxos migratórios em Portugal, aponta que 1 em cada 3 estrangeiros vive em risco de pobreza ou exclusão social, valor mais alto em relação à população portuguesa, o que reflete o facto de terem vínculos de trabalho tendencialmente precários.

Ainda assim, a cada ano que passa, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social têm aumentado. Em 2019 noticiava-se[6] que as contribuições haviam ascendido a 746,9 milhões de euros, enquanto os benefícios recebidos foram de 95,6 milhões. Ou seja, um saldo positivo de 651,3 milhões de euros. Em 2021, pela primeira vez, as contribuições dos imigrantes ultrapassaram os mil milhões de euros, resultando num saldo positivo de 802 milhões de euros. Este mês, o DN dava conta de uma contribuição de 2677 milhões de euros, contra 483,3 milhões de euros em prestações sociais. Isto é, um saldo positivo de 2194 milhões de euros.

Pelos dados, que são públicos e de acesso aberto a qualquer pessoa, conclui-se que a narrativa que a extrema-direita cria acerca dos imigrantes viverem da Segurança Social é uma grande mentira. Por mais vídeos que fabriquem de pessoas imigrantes que passam o dia todo em praças e noutros lugares públicos, ou de outros, que induzem pessoas que não entendem suficientemente português (ou por intimidação indireta), a dizerem que não têm trabalho, sendo sustentados pela Segurança Social, a realidade é muito evidente: tudo isso é mentira.

Conclusão

O impacto da imigração nas sociedades de acolhimento tem sido amplamente estudado e por diferentes áreas do conhecimento científico. A economia tem sido uma das que se dedica a tentar compreender se a um fluxo maior de imigração (incluindo também refugiados e requerentes de asilo) corresponde uma baixa generalizada dos salários nas zonas com maior pressão, e, em diferentes países e períodos, tem-se demonstrado que não. Também figuram entre as conclusões que os imigrantes não contribuem para um aumento do desemprego entre nacionais ou sequer entre pessoas imigrantes anteriormente estabelecidas.

O efeito da imigração tende a ser positivo e com impacto em diferentes domínios, como a criação de empregos, aumento da natalidade e rejuvenescimento da população, além da contribuição para a Segurança Social, colaborando no pagamento de reformas e outras prestações sociais, entre outros.

Quem conheça a realidade portuguesa, sabe que não somos tão generosos em matéria de prestações sociais, quando comparados com a França ou o Reino Unido. A menos que se trate de um eremita com voto de pobreza, não é possível viver de subsídios em Portugal. Por outro lado, como podem os imigrantes ser acusados de viver de subsídios se também são acusados de roubar trabalhos?

Os dois cenários são incompatíveis e quem olhar para a realidade dos factos vê que não roubam trabalhos e ainda contribuem muito mais para a sociedade do que dela recebem.


[1] Dados relativos a pessoas titulares de autorização de residência.

[2] Para mais detalhe: 55% têm trabalho; 10% estão na reforma; 8% são estudantes; 8% estão no desemprego; 19% estão noutras situações (inclui pessoas domésticas, incapacitados para o trabalho, etc).

[3] Junho de 2024                        

[4] Cerca de 33% são trabalhadores por conta própria, com ou sem trabalhadores, mais especificamente, trabalhadores de limpeza ou vendedores de lojas (comércio).

[5] 957,7 mil, 93,3 mil e 69,2 mil respetivamente.

[6] Dados relativos a 2018.

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