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Paralelos e incongruências

1979 – Os jovens sonhavam com os países europeus, com a possibilidade de estudar no estrangeiro e conhecer novas culturas. Saber falar línguas era essencial e ouvir música facilitava essa aprendizagem. As letras mais afoitas eram gritos de libertação de uma geração de oprimidos sociais que queriam cortar as amarras com a sociedade que teimava em não evoluir.

2019 – Os jovens viajam pelos países europeus como quem passa os olhos por uma tela. As imagens desfilam, mas não retêm o seu conteúdo. Não precisam de conhecer a língua, porque o google faz a tradução que normalmente é impossível de entender. Na verdade, não se querem entender. São livres, mas conseguem fechar-se a tudo criando uma gaiola virtual de onde não querem sair. Saem, mas ficam dentro de prisões que gostam de inventar.

1979 – Londres era a cidade que todos queriam conhecer. Uma enorme liberdade de expressão e o caminho que a Mary Quant tinha traçado era perfeito. Não havia regras e cada um vestia-se como muito bem o entendesse. O Speaker´s Corner era o símbolo da liberdade e os menos corajosos ouviam tudo com o coração. Os valentes soltavam o que lhes ia na alma. Havia sempre público a aplaudir.

2019 – Londres é uma cidade multicultural onde também se fala inglês. Os ensinamentos da guru ainda permanecem e as cores são misturadas de modo que satisfaçam quem as usa. Todos vivem tão apressados que nem há tempo para falar. A comunicação é feita através dos dispositivos electrónicos e há quem se ria a olhar para um écran. Alguns resistentes, os mais destemidos, ainda têm a coragem de ler livros à frente que quem os quiser ver. Sobretudo no metro.

1979 – A cultura era a porta de acesso para a formação da personalidade. Saber, conhecer, querer sempre mais era o maior desejo dos que queriam sair do mesmo e abrir os horizontes. As enciclopédias, muito caras, eram consultadas em bibliotecas onde se conheciam pessoas verdadeiramente interessantes. Aprender era constante e real. Mesmo que fosse pouco acessível para muitos.

2019 – Ser culto é sinónimo de fascista e é uma seca. “Para que quero saber essa treta? Não me serve para nada. Não desliza no ecrã nem tem memes que possam classificar a ‘experiência’. A biblioteca é o local onde guardam aquelas porcarias que precisam de ser abertas e folheadas. Os resumos estão todos na net.” O saber não faz falta. Duvida-se de quem sabe e confirma-se não vá essa pessoa ser perigosa e querer enganar quem a ouve.

1979 – As visitas aos museus eram planeadas pelos professores em detalhe. Era a oportunidade dos menos afortunados poderem estar em contacto com as obras primas e com o ambiente que lhes permitia imaginar como teria sido certa e determinada época… Alguns pais, mais arejados, aventuravam-se com os filhos nestes antros perigosos de cultura e conhecimento.

2019 – Os museus são, em grande parte, livres e possíveis de serem visitados aos fins de semana de forma gratuitas. Já são poucos os professores que se preocupam em levar os alunos a estes edifícios pois eles não querem saber ” das cenas do passado. Uma seca. Está tudo na net. Para quê ir lá? ” Os pais levam os filhos ao futebol ou a outras actividades que lhes direccionam e encolhem o cérebro. O passado só tem piada nas feiras Medievais onde se bebe até cair para o lado.

1979 – Os adolescentes suspiravam uns pelos outros e os mais sortudos conseguiam mesmo apaixonar-se. Era a felicidade total. Sorrisos parvos e olhares que denunciavam o que cada um sentia. Mãos que se tocavam, envergonhadas, mas satisfeitas. Bilhetes que se trocavam e, os melhores, ainda vinham acrescidos de desenhos personalizados que enchiam o coração e quem os recebia. Guardavam-se entre as folhas dos livros e suspirava-se a sério.

2019 – Os adolescentes estão baralhados e não querem crescer. Hoje acordaram rapazes, mas ontem eram raparigas. Odeiam-se e detestam os seus corpos. Querem transformá-los e depois não há volta a dar. É definitivo. O papel é uma cena podre e a comunicação e trocada por SMS. Não se quer sentir que isso é perigoso e pode trazer consequências. Ser palerma é o que está a dar. E continuar.

1979 – Finalmente os adolescentes chegavam ao momento que tanto tinham desejado. Era a sua iniciação e a ausência de experiência, porque viviam ainda oprimidos, fazia com que não soubessem tirar o melhor proveito de si próprios. Tentavam mais vezes e conseguiam encontrar o ponto de equilíbrio. Ficava para sempre e o amor era mesmo lindo! O contacto físico era tão importante! A primeira vez!

2019 – Não há contacto físico, porque tudo é virtual. Existem imensos postcast que ensinam como é que é e por isso não é preciso sentir, aproveitar o momento que nunca se repetirá. Tiram muitas selfies para que todos saibam que foi ” muita fixe ” só que não aconteceu. O sentir é ” uma ceninha marada ” que depois pode resultar em dor e isso não se quer. A culpa é sempre de outros que eles são sempre vítimas. O sexo agora é virtual e chega-lhes.

1979 – O namoro acabava e choravam que nem uns desalmados. Uns diziam que se iam matar, outros que a vida tinha perdido o sentido e que já não queriam mais viver. O pai ou a mãe davam-lhe uns bananos certinhos e no dia seguinte não se tinha passado nada. Olhavam para outros e a vida era bela. Apareciam outros amores e todos eram felizes ou infelizes, mas sentiam.

2019 – Afinal a namorada virtual era um namorado ou vice-versa. Entram em depressão profunda, porque sofreram uma micro agressão e a sua alma híper-mega-sensível ficou rasgada e sangra tanto que a dor é lancinante. Chamam um observatório qualquer que se dedica a causas perdidas e fazem um relatório onde o pai ou a mãe estão sinalizados, porque não deram gás à parvoeira dos filhos. Proibi-se, que fica bem.

1979 – Todos queriam ser felizes e adultos para poderem, finalmente, ser independentes.

2019 – Todos detestam a felicidade e a dor é que é bom. Viva o Peter Pan que crescer não está com coisa nenhuma. Infantis a vida toda! Com o apoio dos pais e do estado que gosta é de ter carneiros que sigam o rebanho. Ámen!

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