Um professor, aquele que arrisca e que ensina, de missão espinhosa e árdua, conseguiu deixar a sua marca, indelével, a sua lição bem-ensinada. A sua lucidez e sabedoria foram motores de arranque para as mentes que estavam muito bem adormecidas.
Faz de tudo para se manter à tona e ser feliz. Casa-se com Maria Amália e dá explicações para sustentar a família, após o nascimento do primeiro filho. Para complementar faz revisão de texto no jornal Diário de Coimbra. Mesmo antes de terminar o curso é autorizado a lecionar no ensino técnico.
Mais tarde passará por várias cidades a ensinar diversas matérias. Divorcia-se em 1956, mas não desiste do amor pois volta a casar-se com Zélia. O amor e a música serão os seus maiores parceiros e, por esta altura, edita Vampiros e Menino do Bairro Negro, uma crítica ao capitalismo, à opressão e ainda mais à miséria que se vive no país.
Grândola será a senha da revolução de Abril, uma canção que não perde a actualidade nem a mensagem, mesmo que fique gasta e a queiram calar, tal como fizeram com ele que esteve preso em Caxias, em 1973. Foi sempre uma pessoa de princípios e de frontalidade. O temo era do álbum Cantigas do Maio, de 1971, mas Abril é sempre Primavera.
A sua subtileza, as suas letras repletas de mensagens codificadas, foram cantadas por aqueles que estavam no alto da madrugada e que viram os índios da meia praia, os que se atiraram a guerrear. A língua materna, o português, a nossa amada língua, foi estimada e elevada a um outro patamar.
Com ele voltámos a ter luz, a claridade e a cor que tinha sido abolida. Vivíamos num país cinzento, sem cromatismos, numa total ausência de paleta que desse um pouco de cor ao dia. Tudo era igual e ai de quem arriscasse querer mudar.
A sua música continua mediática. Este bardo moderno despertou sensações tão ímpares e tão potentes que ainda hoje, já passados tantos anos, a intensidade não se acalma e são sentidas com o mesmo ardor. Cada tema era forte e a denúncia estava presente em todos, até na simples música popular, aquela que o povo tem de memória.
Venham mais cinco ou os que forem necessários, todos aqueles que quiserem para que a palavra seja passada. Ouçam o homem, a voz da sabedoria, a tradição que não se perde e reinventa. Não seremos formigas no carreiro, mas as que se destacam e fazem por outrem. Seremos as que sabem como elevar a voz e falar com nitidez.
Mudemos de rumo que já lá vem outro carreiro. Contudo muitos foram as tais formigas que seguem nos carreiros que lhes indicam e não se interrogam até onde podem ir. É mais fácil assim, mas não foi com ele, o homem que teve a luz como sua parceira. Alegria e liberdade, amigas perfeitas e unidas.
A morte veio apanhá-lo com uma doença com pronome feminino, ELA, esclerose lateral amiotrófica, que lhe retirou a qualidade de estar. Depois da euforia e do estrelado, o abandono foi enorme. Valeram-lhe os amigos, que talvez tenham sido apenas cinco, para sobreviver.
São assim as sociedades, que geram seres iguais. Quando se está na mó e cima é abraços, beijos e festas, mas caindo no esquecimento, por não terem utilidade e não falta de valor, tudo fica encerrado numa arca que não se volta a abrir a não ser para choramingar na morte.
Há uma dívida muito grande a ser liquidada. Talvez as gerações futuras, se não lhes toldarem a lucidez com futilidades e chapéus de sol rotos, entendam o peso que a sua intervenção teve na vida de muitos. Ter tudo de mão beijada é muito fácil, mas alguém teve que abrir esse caminho com rudeza.
Gosto da tua forma de escrita que difere a cada assunto. És uma verdadeira artista com todos os sentidos aguçados e uma sabedoria imensa. Gratidão minha ruiva!