O cinema tem a particularidade de associar personagens com as pessoas que as representam. Para o bem e para o mal, alguns atores por muitas voltas que deem, por muitos papeis que interpretem não conseguem dissociar-se dos personagens mais icónicos que representaram, é o caso do Christopher Reeve.
Uma vez super-homem para sempre super-homem!
Quem como eu, cresceu nos anos 80, sabe que isto é verdade. Por muitos super heróis que apareçam e outros tantos a fazer o mesmo papel que Reeve, nenhum será o verdadeiro super-homem, mesmo quando é igualmente notável no seu desempenho. Pode ser por ser o primeiro, pode ser por ter incorporado na perfeição o espirito da personagem, a verdade é que fica colado a ela como uma partícula de ADN.
Confesso que para além do papel de Super-Homem, nunca senti curiosidade em assistir a filmes com Christopher Reeve, talvez até por ter algum preconceito em relação aos papeis (para mim) pouco atraentes dos super-heróis, com muito pouca substância. Por isso, quase que intrinsecamente passei a assumir que também ele, enquanto pessoa e homem, não teria grande substância para captar o meu interesse.
No entanto, o fatídico acidente de cavalo mudou muito a minha perspetiva sobre ele. Depois de ver este documentário percebi o quão errada estive estes anos todos, por julga-lo banal, e apenas mais um.
De uma forma simplista, vemos um homem extremamente trabalhador, atlético, divertido, sedutor e amigo do seu amigo. Muito empenhado em se tornar um bom ator, e na opinião dos que estudaram e trabalharam com ele, era sem dúvida um ator fenomenal, um dos melhores da sua geração. Envolveu-se de tal maneira no casting para o papel de super-homem que o próprio realizador não teve duvidas em seleciona-lo. Estava assim criado o mito entre a personagem e o homem!
O sucesso foi estrondoso, o que tornou o processo de desvinculação muito difícil e praticamente impossível para o ator. A par disto tudo, a vida pessoal e familiar que se desenvolvia em paralelo, com mulher e dois filhos pequenos a viver em Inglaterra (ele nos USA), a necessidade de se multiplicar por vários sítios e manter toda a sua atividade física frenética, fez com que a sua jovem família se desmoronasse.
Contudo, no meio do infortúnio, a sorte no amor, parecia estar-lhe reservada. Esta é também uma incrível história de amor entre o Christopher e Dana, que se conheceram anos depois da separação, com uma conexão tão bonita e profunda que não se consegue ficar indiferente, porque se ela não tivesse existido no meio do caos da desgraça, que se seguiu imediatamente ao acidente, sem o amor entre eles, ele nunca teria sobrevivido. Se duvidas houvesse, sobre os poderes curativos do amor, este documentário revela-nos que é crucial. Neste caso, um amor entre o casal, os filhos, a família, os amigos e uma causa.
Tudo isto fez com que o Christopher Reeve se tivesse mantido vivo. A ligação entre as pessoas, os vínculos, a luta pela recuperação levou-o a manter-se vivo para se “doar à ciência” de uma forma literal. Tudo o que fez, os desenvolvimentos que foram alcançados em pacientes paralisados, muito se deve a este homem. A sua estoica força de vontade, força física e saber-se rodeado de amor deu-lhe a combustão para lutar.
Também é verdade que se não fosse o seu estatuto, provavelmente o hospital não teria lutado tanto por ele, contudo a família e sobretudo a Dana não o deixaram partir e possibilitaram, que também ele tivesse a oportunidade de escolher, continuar a viver. Foi muito duro, de certeza para todos, os últimos anos de vida do ator trouxeram-lhe a “CAUSA” da sua vida, o verdadeiro papel de super-herói. Deu esperança a outras pessoas, tentou normalizar a sua condição física, investiu dinheiro e utilizou o seu corpo para testes e soluções que poderiam resultar nele ou em qualquer outra pessoa.
Hoje a fundação que criou com a mulher, é gerida pelos filhos que continuam a honrar todo o legado que deixou.
Se tivesse que definir este documentário em duas palavras, seriam: profundo e muito tocante.
Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico