Começo com uma história pessoal. Outro dia eu estava na sala tomando um vinho e assistindo um reality show, de repente fui pegar a taça e ela caiu no chão. Meu marido veio ver o que tinha acontecido e quando viu a cena, disse que a taça não caiu, ela se jogou, porque nem ela aguentava ver aquele programa ruim.
Reality show é um daqueles temas que não tem meio termo, ou você ama ou você odeia. Aqui em casa eu adoro e meu marido não pode nem ouvir falar. Então, decidi vir aqui defender a minha posição de fã de (quase) todos os tipos de reality shows disponíveis por aí.
Começo dizendo que eu não sou ingênua, eu sei que esses shows são roteirizados, os participantes são personagens, é tudo editado e tem um monte de coisas que acontecem por trás das câmeras que a gente nem fica sabendo.
Eu não assisto esses realities para torcer por alguém encontrar o grande amor, ganhar milhões ou sobreviver na selva, eu assisto pelas reflexões sociológicas e pelo aprendizado cultural que esses shows representam para mim.
Para dizer bem a verdade, esses mais populares, como o Big Brother, que estão na milésima temporada, eu nem vejo mais, infelizmente eles já passaram do estágio de interessante para o estágio de previsibilidade total, que tira toda a graça da história.
E eu também sei que os participantes criam suas personas e não são uma representação real de si mesmos. Porém, meu interesse não é nos indivíduos, mas na forma como as diferentes culturas são representadas, intencionalmente ou não, a partir do contexto geral do programa.
Vamos falar de um reality super popular no momento, o Casamento às Cegas. Eu assisti a versão Estados Unidos, versão Brasil e versão Japão. Pouco me lembro dos personagens ou dos casais que se formaram, mas lembro muito bem que no do Japão, a maioria deles nem dormia na mesma cama quando foram morar juntos, que as mulheres queriam um homem que as protegesse e os homens queriam uma mulher que cuidasse deles e da casa e que, estar divorciado era quase um pecado. Já na versão Brasil os participantes beijavam até a parede que separava os casais, antes mesmo de se encontrarem, falavam mais abertamente sobre sexo, e morar junto parecia algo bem natural, até porque muitos já haviam sido casados ou já tinham morado com alguém.
Também assisti um outro show japonês chamado “Vilarejo do Amor”, que os apresentadores definem como um reality para homens e mulheres mais velhos encontrarem a pessoa com quem passarão o resto de suas vidas. O programa é para pessoas com mais de 35 anos, porque no Japão, de forma geral, é esperado que aos 35 anos as pessoas já tenham família e uma vida estabelecida e quem ainda não tem sofre diversos preconceitos sociais.
Assisti também algumas temporadas de Real Housewives of Beverly Hills, Atlanta e Nova Iorque. Esse programa acompanha a vida de mulheres ricas, normalmente casadas com atores, atletas ou empresários milionários, que andam nos mesmos círculos e acabam formando um tipo de amizade ou vínculo, as vezes real, muitas vezes nem tanto.
Eu morei quatro anos em Atlanta, e ao ver o programa eu imediatamente identifiquei naquelas mulheres o comportamento de uma região inteira dos Estados Unidos. Ao ver o de Beverly Hills, lugar onde eu nunca estive, eu vi o comportamento de artistas e celebridades que vivem em Los Angeles e que vemos diariamente em todas as mídias e redes socias. E as de Nova Iorque assumem a postura estereotípica de Nova Iorquinos, trabalham, empreendem, não querem ser conhecidas somente como esposas de alguém rico, mas como empreendedoras independentes.
Outro reality que eu adoro é o Indian Matchmaking, a história de uma casamenteira que busca unir casais compatíveis para o casamento. Culturalmente, o que me chamou a atenção é que o casamento é algo decidido pela família e não só pelo casal. Mulheres divorciadas têm muito menos chance de encontrar um par e que mesmo os participantes que viviam ou mesmo nasceram nos Estados Unidos ainda sentiam a necessidade de manter as tradições, mesmo nunca tendo visitado a Indía.
Já no Jewish Matchmaking, uma casamenteira que trabalha apenas com judeus, eu achei interessantíssimo como uma das primeiras perguntas que ela faz é o quão envolvido com a religião o participante está, pois isso vai determinar o tipo de parceiro ou parceira que ela vai buscar. Existem aqueles que apenas seguem alguns rituais, até os mais ortodoxos, em que o casal não pode se encostar até o dia do casamento.
Tem um outro que eu achei muito bom também que chama The Mole. São 12 participantes competindo em diversas provas individuais e em grupo para ganhar um prêmio em dinheiro, mas um deles é um intruso que tem o objetivo de atrapalhar os outros sem ser descoberto. Passei o programa inteiro tentando descobrir quem era esse intruso, analisando o comportamento de cada participante e tentando imaginar se tal atitude era estratégia ou pura estupidez (spoiler, na maioria das vezes era pura estupidez).
Assisti as duas temporadas de Young, Famous and African, um reality que acompanha um grupo de amigos jovens, ricos e africanos (como o título mesmo já diz), e que me mostrou um lado da vida na África que eu nunca tinha imaginado que existia.
Poderia falar também de The Circle, Brincando com Fogo, Rea(L)ove (um outro reality japonês que me tirou do sério pela forma como os participantes eram tratados), Amor à Primeira Vista, Perfect Match (em que eles juntaram ex-participantes de vários desses realities para tentar formar casais), Queer Eye, The Circle, Selling Sunset, Acumuladores, 90 day fiancee entre outros, talvez em uma tese de doutorado ou um livro sobre o assunto eu consiga abordar todos os realities que eu assisto.
Contudo, a grande mensagem que eu quero passar é que esses shows, mesmo com todos os seus defeitos e algumas barbaridades, nos permitem conhecer algumas culturas, entender momentos em que vivemos e, por que não, nos conhecer melhor, pois ao olhar para os participantes, muitas vezes a gente se vê ali ou imagina o que faria naquela situação.
E o maior desafio para mim é tentar não julgar, é achar o limite entre o que é diferença cultural e o que é misoginia, preconceito ou racismo.
Se você é do time que odeia os reality shows, tente dar uma chance. Use um olhar diferente, de curiosidade, de crítica social, de sociologia, quem sabe um dia você não se junta a mim.
Eu receio que a taça tenha mesmo tentado o suicídio !!! Como a Dina diz, esses programas são roteirizados e os concorrentes são personagens, onde tudo é pensado com o único objetivo de ganhar audiências. Não se podem sequer considerar experiências sociais. Uma experiência social é um evento onde se testam reações, emoções, instintos etc, e que os participantes não sabem que estão a participar. Quanto ao aprendizado cultural que possa advir desse tipo de programas, tenho muitas dúvidas.