A regionalização é daqueles temas que aparecem periodicamente na discussão pública, com grandes defensores de um lado e grandes críticos de outro. Enquanto para uns é sinónimo de um passo em direção a formas de democracia que aproximam o cidadão comum ao aparelho administrativo do Estado, para outros significa mais aumento da despesa pública.
Em bom rigor, ambas posições têm pontos de argumentação interessantes e, até em certa medida, válidos. Contudo, devemos ir além dos argumentos economicistas e ter presente o que realmente significaria uma regionalização do país e do impacto positivo para o interior, mas também no litoral.
Desde o Renascimento que a tendência dos vários países tem sido a da centralização e tentativa de homogeneização dos hábitos e costumes nacionais. O ponto expoente da centralização poderemos encontrar em regimes absolutistas ou, mais recentemente, com os regimes autoritários. No caso português e espanhol com Salazar e Franco encontramos os exemplos mais recentes.
Bem sei que desde a crise financeira de 2008 que adquirimos o hábito avaliar qualquer projeto e ideia com base nos custos económicos. Em bom rigor, o fator económico é suficiente para inviabilizar determinados projetos. Mas, a que custo? Por exemplo, qual o custo cultural em perder-se a segunda língua oficial do país?
A regionalização em Portugal, tornada efetiva1, permite valorizar a identidade, hábitos e costumes de cada região2. A língua mirandesa já sofre com as consequências da centralização. Poucas pessoas saberão, mas Portugal tem duas línguas oficiais desde 19993. A língua portuguesa, mais comum e usada como principal meio comunicacional, mas também a língua mirandesa, que se cinge aos concelhos de Miranda do Douro e Vimioso, porém sem menor importância.
Um investigador da Universidade de Vigo afirma que esta língua se extinguirá em cerca de 20 anos. Uma das causas é o facto de apenas 2% dos jovens a usarem. A língua é um dos meios pelos quais se desenvolve a identidade cultural, como podemos ver com os casos do País Basco, Galiza e da Catalunha, apenas para mencionar exemplos mais relevantes e próximos.
Não existe incompatibilidade entre ser espanhol e falar basco (ainda que alguns bascos não se sintam espanhóis, mas isso é um assunto que não é do âmbito deste artigo). Muito pelo contrário, é encarado como uma riqueza nacional e cultural. Em Portugal, reconheceram-se os direitos a uma região poder usar, ensinar e investigar a sua língua, mas o facto de estar longe dos lugares de decisão faz com que não tenha a atenção que requer. Quem, nos corredores da Assembleia da República ou no Gabinete do Primeiro-Ministro, dedica atenção a este facto?
Por outro lado, a regionalização permite aproximar o cidadão do Estado. Se queremos reduzir as taxas de abstenção, temos de descentralizar as funções do Estado. Acredito que para um habitante de Castro Laboreiro, em Melgaço, será um pouco indiferente ao sistema de drenagem das águas de Lisboa. Porém, algo que tenha que ver reformulação do plano de transportes públicos da região do Alto Minho, onde se modernize a rede ferroviária e se promova a integração com os transportes públicos que tenha em conta a vida quotidiana das populações, lhe dirá algo mais.
Precisamos sair das amarras do passado e deixar que o centralismo seja um elemento histórico. A tendência internacional é a do incentivo à regionalização, por vários motivos, como a valorização, preservação e defesa da cultura. Quando falamos em cultura portuguesa, o que queremos realmente dizer com isso? Falamos dos Caretos do Podense, dos fados de Lisboa e Coimbra; temos em vista a riqueza gastronómica do Alentejo; pensamos na arte da filigrana minhota ou nos tapetes de Arraiolos (apenas para nomear alguns).
A sensibilidade para os problemas locais, mas também de esforço de redução das assimetrias regionais só é possível quando Portugal deixar de ser Lisboa e o resto paisagem. Se queremos parar a sangria de jovens do interior para o litoral, temos de permitir que as regiões tenham autonomia para definir prioridades e elaborar um plano regional. Se queremos atrair pessoas para o interior, o Estado também de ir para lá e torna-se mais presente. E esta presença faz-se com cada unidade regional autónoma e muito menos dependente de gabinetes em Lisboa.
1 As CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional) ainda não são competentes o suficiente num plano regional equiparado ao exemplo espanhol ou, num modelo mais avançado, como sucede na Alemanha ou Suíça.
2 As atuais divisões das CCDR que se dividem entre o Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve são suficientes para o desenvolvimento deste plano. Apenas se considera o Continente, visto que as Regiões Autónomas dos Açores e Madeira já se encontram com autonomia (discussões à parte do incremento da autonomia).
3 Na Lei 7/99 de 29 de janeiro de 1999, ainda que vagamente e sem um plano a ser implementado, são reconhecidos os direitos linguísticos à comunidade mirandesa. Nem o despacho de normativo de 35/99 de 20 de julho consegue definir um plano coerente e de promoção efetiva da língua.