Cérebros de Betão ou Casas sem Pão?

Quando falamos em pobreza, torna-se relativamente fácil associá-la, de imediato, à dimensão material ou às dificuldades de acesso a serviços tão elementares como a saúde ou a educação.

No entanto, estudos científicos recentes têm evidenciado a existência de uma correlação positiva entre a pobreza e o atraso no desenvolvimento cognitivo.

A realização de estudos comparativos, entre crianças em situação de pobreza e crianças cuja situação financeira se apresenta como favorável, evidenciaram diferenças significativas no que concerne ao seu desenvolvimento intelectual.

Claro que tal desenvolvimento começa naquilo que de mais elementar define a situação de pobreza e que se prende com uma das necessidades primárias dos indivíduos, como é o caso da alimentação. Não é, por isso, difícil de compreender que uma criança com uma alimentação deficiente não terá, evidentemente, o mesmo desenvolvimento de uma criança com uma alimentação variada, já que a primeira se encontra privada dos nutrientes necessários ao seu desenvolvimento físico e/ou psíquico.

As diferenças começam, então, a sobressair, quando as crianças são colocadas em contexto escolar, uma vez que aquelas que vivem em condições economicamente menos favoráveis apresentam, em geral, um pior desempenho escolar.

Desengane-se, no entanto, quem julga que tais diferenças se resumem apenas à alimentação e que a correção de tal situação seria o bastante para a resolução do problema.

Como é sabido, a socialização primária é determinante para o desenvolvimento dos indivíduos, mas é também nos primeiros anos de vida que o cérebro humano apresenta um maior desenvolvimento cognitivo.

Nesse âmbito, os estudos têm observado que os cérebros das crianças mais desfavorecidas apresentam maiores debilidades.

Para isso, contribuem diversos factores como: (i) situações de stress no ambiente familiar gerado, não raras vezes, pelo alcoolismo e pela violência doméstica; (ii) a falta de atenção que recebem dos pais; (iii) a ausência de estímulos – plasmados na incapacidade para aceder a jogos didáticos que estimulem o desenvolvimento cognitivo, a resolução de problemas, a socialização e o trabalho em equipa; (iv) a incapacidade de acesso a livros infantis – que estimulem a imaginação e desenvolvam a linguagem; (v) a obrigatoriedade de tomar conta dos irmãos mais novos na ausência dos pais; entre outros.

No entanto, os efeitos da situação de pobreza, num menor desenvolvimento cognitivo, não se esgotam na infância e acabam por estender-se ao longo da vida.

Os estudos tornaram ainda evidente que as preocupações financeiras impedem os mais desfavorecidos de atingirem uma capacidade intelectual tão elevada como aquela que é atingida pelos demais indivíduos.

Assim e no que concerne aos adultos, estes apresentam outros fatores que afetam, negativamente, o seu desenvolvimento cognitivo e que estão ligados, maioritariamente, à elevada pressão a que estão sujeitos.

Para analisarmos este ponto e de modo ligeiro, podemos dividi-lo em duas dimensões: a da sobrevivência e da não-sobrevivência.

No que respeita à primeira, podemos afirmar que uma pessoa que esteja numa situação de pobreza, se encontra sujeita a um contexto de maior stress do que uma pessoa que não se encontre nessa situação, isto porque, qualquer indivíduo cuja atenção esteja focada nas contas para pagar, no emprego que precisa de manter a todo o custo, na escola dos filhos, nas despesas inesperadas, na falta de comida, ocupará, em grande medida, parte do seu tempo e do seu cérebro com questões que não o libertarão para outras aprendizagens importantes para o seu desenvolvimento.

Depois existe, ainda, uma dimensão que não está diretamente relacionada com a sobrevivência, mas que limita cognitivamente os indivíduos, como por exemplo, a incapacidade para poder viajar e que possibilita a aprendizagem de novas línguas, culturas, gastronomias, etc., a inacessibilidade a novas tecnologias que, não raras vezes, gera situações de infoexclusão ou a impossibilidade de tirar a carta de condução que, consequentemente, levará à não-aquisição de uma série de outras competências.

É, por isso, muito importante que não façamos juízos de valor nem coloquemos rótulos nos indivíduos.

Caímos, muitas vezes, na ignorância e apelidamos alguém de “burro”, de “retardado”, de “lerdo” sem sabermos tudo o que está a montante na vida do outro.

Olhamos, tendencialmente, com desprezo e com soberba para aqueles que não correspondem aos padrões mais ou menos institucionalizados do que significa ser-se inteligente e/ou capaz de aprender algo e, com esta atitude, marginalizamos, ainda mais, todos aqueles cujas oportunidades foram ou são tão diferentes daquelas que estão acessíveis aos demais indivíduos.

Devemos, desse modo, refrear os nossos ímpetos, moderar a nossa linguagem, adoptar um espírito de entreajuda para com todos e estender as mãos ao invés de apontarmos dedos já que a vida de cada um nem sempre foi ou é aquilo que parece.

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