O Jornalismo e as Redes Sociais

Seria no mínimo absurdo e imprudente da minha parte vir para aqui pregar-vos sobre o advento das Redes Sociais e no quanto e no como elas se encarregaram de nos levar a alterar o normal curso das nossas vidas, ou da maioria das “nossas” vidas, porque, claro está, há sempre quem não se reveja, não participe, não goste, não se interesse. A quem isto muito aborrece e aumenta perigosamente os níveis de stress e, como tal, todas estas pessoas que não participam, nem compartilham desta “visão” devem optar por abandonar de imediato a leitura deste texto, que pode, deixem-me que advirta desde já, com uma dose elevada de probabilidade, revelar-se uma enorme maçadoria. Esperemos que não.

MM_ojornalismoeasredessociais_1As Redes Sociais deram origem a novas formas de comunicação interpessoal, novas formas de nos relacionarmos uns com os outros, novas formas de viver a vida e digo isto sem qualquer lampejo de fantasia adocicada em tons de cor de rosinha, azul cueca, ou verde bebé. Digo isto sem qualquer tentativa de entrar, ou de me abeirar do incompreensível e inviolável mundo dos sonhos… e nisto, desculpem-me! Todavia, neste preciso instante em que aqui vos escrevo, aqui sentado no intervalo sossegado do meu trabalho, pouco antes de me precipitar com relativa e esfomeada pressa para a mala onde tenho o meu almoço, sou surpreendido pela notícia da morte de Manoel de Oliveira. E neste preciso instante está um frenesim montado nesta redacção, como podem calcular. É preciso chamar convidados, pôr gente ao telefone, perceber quando é o funeral, como vai ser a cerimónia, ir ouvir amigos, colegas, as mais altas figuras da Nação e preparar peças, biografias, reunir informação… tudo! Tudo decidido num punhado curto, mas deveras impressionante de minutos. Ah, e a notícia chegou-me… pelas Redes Sociais.Elas são, nos dias em que presentemente vivemos, os primeiros sites que abrimos, quando ligamos o portátil, ou o tablet, ou quando desbloqueamos o telefone. Regra geral, para a maioria das pessoas que tem um smartphone, já está automatizado o processo de o consultar, quando acorda, quanto mais não seja para ver o que se passou durante a noite no Facebook, ou no Instagram, ou no Twitter, para ver se tem algum email novo e é precisamente aí que normalmente tomamos contacto com as primeiras notícias do dia, isto se estivermos a seguir as páginas dos órgãos de comunicação social, ou outras “parecidas” que difundem as notícias das primeiras nas supracitadas redes sociais. Ou isto, ou então se tivermos na nossa rede de contactos uma prevalência grande de “amigos” jornalistas.

No meu caso particular, como jornalista da SIC, que privilegia, e muito, o digital, o online, posso dizer-vos que sei bem qual a importância das redes sociais nesta esfera informativa que nos consome com a sua variedade e diversidade, mas igualmente com a cadência frenética do trânsito numa autoestrada de 8 faixas, tanto mais frenética quanto maior for o número de páginas e pessoas com quem estamos envolvidos. A avalanche noticiosa que nos invade com violência os Feeds de Notícias é directamente proporcional à quantidade de Gostos que distribuímos pelas referidas páginas e pelo número de amigos que vamos adicionando. Depois o Facebook, por exemplo, dá uma ajuda e organiza sets de informação que lhe parecem adequados àquilo que são as nossas interacções mais frequentes. Compliquei a coisa? Espero que não, mas, se por acaso vos baralhei as ideias, deixem-me tentar explicar de outra forma

De onde advém mais de metade do tráfego que é gerado nos sites dos órgãos de informação portugueses? Do Facebook, pois com certeza. Ora, fica mais do que evidente que esta é uma nascente que não pode, nem deve ser ignorada e que, sobretudo, deve ser bem analisada e explorada a fim de capitalizar o interesse e o movimento que o mesmo proporciona e as ferramentas que esta rede social em particular disponibiliza aos seus utilizadores.

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Da maneira como vejo as coisas, os órgãos de comunicação social precisam urgentemente de perceber que o posicionamento nas redes sociais não pode ser feito como está a ser feito actualmente. A comunicação é, na sua grande maioria, unidireccional. Feita de A para B, em que B fica, normalmente, sem resposta a comentários, a perguntas, a sugestões. E isto contraria exactamente o princípio base da (co)existência nas redes sociais, que é o de criar comunidades onde nos relacionemos, onde mais do que falar é preciso, sobretudo, saber ouvir, medir, agir e falar, tendo em conta os interesses de quem interage com os conteúdos que são partilhados. Por norma, o conteúdo partilhado por uma página desta natureza é conteúdo que é consumido por massas e, por isso, é conteúdo que gera muita interacção, Gostos e Partilhas, até porque estamos a falar dos órgãos de comunicação de referência do país. Depois fica-se por aqui.

Se juntarmos a isto a verificação de que os próprios jornalistas, não todos, mas grande parte deles, não têm a noção de que não estão a comunicar da melhor forma nas redes sociais e não estão a tirar delas o partido que podem tirar, temos o retrato fiel do que se passa a este nível no nosso país. Ainda é tudo muito robótico, com muito de conteúdos e pouco de pessoas.

É claro que tudo isto dá uma trabalheira desgraçada. Criar engagement é difícil. Criar conteúdo que favoreça, privilegie e facilite a interacção não é tarefa simples e digo isto com conhecimento de causa. Se a juntar a essa mesma dificuldade de criar conteúdo válido e interessante lhe somarmos a dificuldade inerente ao desejo de cimentar uma relação de cooperação em que fazemos dos nossos seguidores, leitores ou telespectadores os nossos olhos e ouvidos, tudo isto é algo que leva, com toda a certeza, tempo, bastante tempo. Tem de ser forçosamente um processo que se arraste positivamente nesse mesmo tempo. E o próprio do Tempo é um grande inimigo dos meios de comunicação presentes no mundo digital.

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O imediatismo da informação aliado à escassez de investimento e de recursos humanos está a obrigar as redacções a saltar passos de um processo que devia ser contínuo. Basta ver como funcionam os maiores jornais deste mundo no que diz respeito aos Social Media para se perceber que o caminho ainda nos vai levar muito tempo. Se queres ter quem fale contigo, tens de estar preparado para ouvir! É um processo comunicativo quase primário de tão básico que, dito assim, parece também ele estar meio diluído e difuso. Não é possível continuar a ter a presunção de que basta falar e que não é preciso ouvir. Não podemos contar com os telespectadores, ou com os nossos leitores apenas para que nos vejam, nos ouçam, ou nos leiam, porque, na era em que vivemos, isso é pura e simplesmente contra-natura. O cidadão comum tem hoje o poder de se ligar ao mundo inteiro, em segundos, com um “simples” telefone, comodamente seguro na palma da sua mão, bastando-lhe apenas um dedo para definir e decidir o que quer e o que vai ver, como e quando o vai fazer. Faz, assim, sentido que continuemos a “não querer saber” o que os nossos espectadores querem ver, ouvir ou ler? Faz sentido que criemos uma página numa rede social, onde nos limitamos simplesmente a despejar/depositar toneladas infindáveis de informação por nós “superiormente” selecionada sem sequer termos tido em atenção qual o tipo de conteúdo que melhor desempenho tem junto de quem o vai receber? Faz sentido que os órgãos de comunicação não se adaptem eles mesmos aos meios que têm à sua disposição, que os rejeitem, que não os explorem, que não retirem deles o melhor que os mesmos lhes podem dar?

MM_ojornalismoeasredessociais_4Se não estamos a fomentar relações de proximidade com possíveis fontes, com possíveis storytellers, e, em vez disso, optamos por nos mantermos firmes no alto da nossa pretensa superioridade e altivez rubicunda. Se nos colocamos num ponto em que achamos que somos os únicos a saber realmente o que é ou não notícia, se mostramos a quem nos vê, nos ouve e nos lê que pouco nos interessa aquilo que eles têm para dizer e que apenas recorremos a eles, se acharmos que têm credibilidade/valor notícia suficiente, então, estamos a partir de um mau princípio. Hoje as fontes são várias, umas mais credíveis do que outras, mas os jornalistas têm uma responsabilidade social cada vez maior e uma prevalência sobre o que é noticiado que não pode ser, de forma alguma, ignorado e, muito menos, de forma consciente.

O interessantíssimo e extremamente pertinente artigo publicado no site do jornal Expresso pela jornalista Maria João Bourbon sobre a entrada do Facebook no mundo das notícias é um excelente exemplo daquilo que se está a passar no mundo da informação online e no mercado da informação digital.

Diz sobre isto o professor António Granado que esta é “uma tendência de desfragmentação do jornalismo que já vem de trás. (…) O poder da marca noticiosa tem vindo a perder-se. Cada vez mais consumimos notícias independentemente do órgão de comunicação social: cerca de 40-50% do tráfego dos jornais online vem do Facebook. O que interessa não é tanto o jornal, mas o facto de a notícia estar bem escrita.” A questão que o Expresso levanta ao Professor de Ciências da Comunicação é uma questão que, todavia, não deixa de ser de uma inegável e indisfarçável pertinência: E em que posição fica o Jornalismo? Granado responde: “Não sei se ficará a ganhar com isto. (…) Pode ficar a perder. Pode surgir uma tendência para fazer notícias cada vez mais engraçadinhas, para que as pessoas façam mais ‘cliques’ e partilhas.

Assim, parece incontornável que se pense na mais do que óbvia necessidade de adaptar a profissão e os métodos de trabalho aos recursos que temos disponíveis e, sobretudo, à realidade do mundo em que vivemos e como o contamos aos demais cidadãos que ainda nos procuram para verem as notícias contadas por homens e mulheres que lhes transmitem um sentimento de pertença e de identificação.

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O jornalista tem e vai continuar a ter o dever de lutar pela Liberdade de Pensamento e pela Liberdade de Expressão. Isso é uma condição agradavelmente imutável da sua profissão. As preocupações com a independência são legítimas, mas não deixam de ser redundantes, pois nos dias que correm as principais empresas de informação do planeta já são detidas por grandes e poderosos grupos financeiros economicistas. O Facebook escolheu como  “alvo” nada mais, nada menos que o New York Times – não foi em vão, como é óbvio. Escolheu-o por toda a dimensão e grandeza que o mesmo tem e por aquilo que o próprio jornal representa. Não me parece de forma alguma que Mark Zuckerberg esteja apostado em criar um “esquema” de bolha comunicacional a fim de vir a dominar o mundo (sendo que já o faz) com um exército maléfico que nos vai subjugar a todos. A conspiração faz parte da mente humana, mas é preciso que deixemos de desconfiar de tudo e de todos. Ouviste Portugal?

É a vida como ela é. E a vida é sempre aquilo que é e, sobretudo, é também aquilo de que dela e com ela fazemos. Parece-me que o melhor e o mais sensato a fazer é pensar numa estratégia de comunicação que se adeque à forma como as pessoas estão a comunicar. Não adianta insistir num formato obsoleto só porque se está cegamente convicto de que não se pode mudar uma vírgula na forma, nem no conteúdo.

Tem efectivamente razão António Granado, quando chama a atenção para aquilo que são as “notícias mais engraçadinhas”. É uma realidade facilmente comprovável, quando se dá um giro pelos principais sites de informação a nível… mundial. Sim, a nível mundial. Não se pense que fomos nós por cá que inventámos a pólvora e que somos uma espécie rara, a única que pratica e segue esta tendência. É certo que a dita pode ser contornada, mas não pode ser ignorada, de forma alguma. Por isso, não deixo de me espantar, quando vejo em Portugal órgãos de referência que têm um determinado tom institucional nas suas publicações em papel, ou na televisão e depois têm outro completamente distinto e pouco consentâneo com a imagem que na verdade possuem, nas redes sociais. Não faz raccord!

MM_ojornalismoeasredessociais_6O Facebook tem hoje ferramentas que lhe permitem fazer algo fantástico e que para o Jornalismo de futuro tem, a meu ver, todo o interesse. A selecção de conteúdos em função do comportamento online do utilizador, das suas preferências, do que ele gosta de ver, de ouvir, de ler, de guardar, permite posteriormente ao Facebook apresentar ao utilizador o tipo de conteúdo com que ele gosta de interagir. Este poder de segmentação permite à rede social de Mark Zuckerberg segmentar conteúdos e mostrá-los a quem realmente está capaz e com vontade de os ver. Sendo que no outro prato da balança está a dúvida sobre como é que o Facebook pode e pensa utilizar os conteúdos que os jornais produzem e que tipo de receitas os mesmos podem, então, somar com este tipo de negócio/parceria.

Ora, o Jornalismo de futuro, tal como a televisão (que já o faz), tem de permitir aos leitores, seguidores, consumidores, ou o que quer que lhes/nos queiram chamar daqui por uns anos, a possibilidade de os mesmos poderem definir, organizar, escolher o que vão ler, ver ou ouvir e quando e como é que o vão fazer. Têm de se adaptar os conteúdos produzidos ao tipo de público que os consome, que, nas redes sociais, é diferente do público que compra o jornal em papel. Não há, nem haverá evolução, se não houver auscultação e, sobretudo, palpação das realidades das pessoas imersas nas histórias que queremos contar.

Resta esperar e acreditar que os órgãos de comunicação em questão ainda vão a tempo de virar a agulha e de acertarem o passo na direcção da actual web 2.0 e do futuro, a web 3.0. Cá estaremos para ver, ouvir e ler o que vier a ser feito nesse sentido. Contudo, de preferência com raccord, meus senhores, com raccord!

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