Pisa

O dito “o que nasce torto tarde ou nunca se endireita” não se aplica a esta cidade que já deu mostras de ser como lhe dá na bolha. Umas vezes vai mais para lá e outras mais para cá. E não tem a ver com vento, mas sim com a água.

Há 20 séculos, o estuário encontrava-se a 4 km do mar, mas agora encontra-se a 17 km do litoral. O que pode parecer um detalhe faz toda a diferença e, por isso, se acredita que a inclinação da famosa Torre se deva ao facto de lá ter existido mar ou um estuário, maior que o actual.

O certo é que há sempre uma desculpa para o que corre mal e esta foi ficando até chegar aos nossos dias e levar milhares de pessoas a irem verificar se tal é mesmo certo. Outra justificação ventilada será que S. Pedro, o primeiro papa, desembarcou aí para pregar o Evangelho, tendo depois seguido para Roma. O certo é que se especula e essa mesma ideia atrai tantos e tantos que querem ter a certeza do que ouviram falar.

No período romano, este local tinha o nome de Colonia Obsequens Iulia Pisana e viveu uma época dourada. Em 1016, junto com Génova e outros aliados, os naturais expulsaram os sarracenos e conquistaram a Córsega e a Sardenha, e adquiriram o controle do mar Tirreno e, um século depois, conquistaram as ilhas Baleares. Gente de garra.

Porém, as alianças têm um período de duração e a rivalidade entre Pisa e Génova foi-se intensificando, no século XIII, tendo culminado com a batalha naval da Meloria. Foi o declínio, mas não perdeu a sua importância pois, em 1409, foi palco de um Concílio para tentar regular o Grande Cisma do Ocidente.

Contudo, não é a história da cidade que mais atrai os visitantes, mas sim a tão famosa torre. Durante uns tempos esteve encerrada para melhoramentos e, após a sua abertura, a visita só é possível de ser feita com pouco visitantes. Ora, com tanto interesse é natural que no relvado que a circunda, haja muita gente à espera, os chamados turistas.

Nesse interregno, é ver os mais afoitos a fazerem mil acrobacias para as tão conhecidas fotografias e a rirem dos outros sem que percebam que eles são também motivo de chacota. A catedral é imponente e inspira um certo tipo de silêncio, o que não se passa com o monumento que está na sua vizinhança. O barulho é gigante. Tão perto e tão longe.

No entanto, o viajante aventureiro passeia ainda pela cidade e descobre os seus detalhes e as raras belezas. Uma terra cheia de encantos. Ruas estreitas e convidativas, cafés muito interessantes e lojas cheias de requinte. À porta de cada uma, é frequente ver-se um recipiente com água. É para os cães da terra e dos visitantes. Uma prática comum que se nota em muitas outras cidades e que parece ser de total desconhecimento no nosso país.

Não deixe de passear pelas margens do Arno e aproveite para se deslumbrar com a maravilhosa arquitetura. As cores são poéticas. Ocres e mais outros tons ocres que fazem viajar para um Renascimento onde tudo fervilhava. Ou uma Idade Medieval que gostou de ficar. Há pontes que facilitam a passagem para a margem oposta e que servem de miradouro.

Ouça as pessoas a falarem, a viverem o seu dia a dia e sinta, com intensidade, os anos de história que ali foram vividos. Não se vai arrepender do tempo que lhe dedica. Os sons melodiosos nada têm de comum e as melodias que são libertas recordam quadros que ainda nem foram pintados. O tempo gosta de ficar aqui.

Wi-Fi passa a ter o nome de Wi-Pi, assim como os nomes de certas estradas que levam até este local. Os italianos são uns grandes brincalhões e nota-se o espírito de alegria. Claro que padecem dos mesmos problemas que qualquer cidade, mas encontram forma de dar a volta. Tudo acontece no tempo certo.

As ditas pizzas terão o seu lugar, algures nos locais de comida mais rápida, mas os doces da cidade são belos, esculpidos com açúcar e mãos de sabedoria. Há de todos os feitios e o cheiro é uma espécie de feiticeiro guloso, delicioso e matreiro, que empurra o visitante para as lojas onde a simpatia e a educação ainda têm destaque.

Virados para o turismo, com venda de recordações em cada esquina, a vida até parece ser fácil. O interessante é que além das clássicas reproduções da torre, a oferta é tão grande que o mais distraído turista pode pensar que está numa outra dimensão, onde a senhora da Fátima marca presença. Viajar é uma lição que nunca termina.

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