Nem ferida me calo…
Trago comigo este texto, de que me lembro de quando em vez, sempre que a realidade mo traz:
“Não estou a pedir para você me beijar, nem que me desculpe quando acho que você está errado. Nem mesmo vou pedir que você me abrace quando eu mais precisar. Não peço que me diga como sou bonita, mesmo que seja mentira, nem me escreva nada de bonito. Nem vou pedir que me ligue para me contar como foi o seu dia, nem que me diga que sente a minha falta. Não peço que me agradeça por tudo que faço por você, nem que se importe comigo quando a minha alma estiver deprimida e, claro, não vou pedir que você me apoie nas minhas decisões. Não vou nem mesmo pedir que você me ouça quando tenho mil histórias para te contar. Não vou te pedir para fazer nada, nem mesmo para estar ao meu lado para sempre.
Porque se eu tiver que te pedir, não quero mais.”
A sua autoria é correntemente atribuída a Frida Kahlo, que o terá escrito ao marido Diogo Rivera, conhecido pelas múltiplas traições ao longo de 2(!) casamentos atribulados.
Embora seja evidente que esta carta se refere a um relacionamento amoroso, ou pelo menos conjugal (o que infelizmente nem sempre são sinónimos), parece-me que é passível de abranger também as relações de amizade, ou mesmo sociais.
Sempre me incomodaram as pessoas que não sabem exprimir emoções. Se sou exigente com a linguagem (o que me possibilitou integrar o grupo dos “pedantes gramaticais” criado por uma colega aqui da Repórter), mais o sou com a expressividade, começando pelas emoções.
Gosto de pessoas que se expressam de forma clara, que não deixam espaço aos enganos e mal-entendidos na relação com os outros, que não os põem a adivinhar (propositadamente ou não) o que sentem e o que pensam. Porque as relações humanas são já tão complexas, não é necessário adicionar-lhes puzzles e labirintos.
Há pessoas que, pelas mais variadas razões, não o sabem fazer. Mesmo que tenham o outro em estima, mesmo que o amem. E na ausência de vocalização, de iniciativa, de actos claros, aquilo que transmitem é, inevitavelmente, o desinteresse pelo outro, ainda que não o sintam. Em seu redor erguem muros, em completa insonorização, encasulam-se, fecham-se. Ignoram o outro, mostrando-o desmerecedor de saber o que se passa, ainda que seja sobre ele. Fazem o jogo do silêncio e do afastamento.
Já me relacionei com uma pessoa assim, e posso dizer-vos que é extraordinariamente perturbador. Se gostam de alguém, não o sabem mostrar. Se estão aborrecidos, calam-se por dias sem que alguém sequer tenha ideia do que se passa. Nas primeiras vezes em que isso aconteceu, interroguei-me com a dureza dum inquérito policial se teria dito algo, feito algo, que provocasse tal reação. Algumas vezes, o comportamento mudava sem que eu percebesse o que tinha sido o motivo. Outras vezes descobria serem assuntos alheios a mim, como o trabalho, amigos, dinheiro, qualquer outra coisa. Mas era eu que me penitenciava.
Se a pessoa não nos for importante, tomamos o seu comportamento como uma mensagem de desafeição e seguimos adiante. Mas quando são pessoas de quem gostamos, dói-nos. É erigida entre nós uma barreira tal que, às tantas, ou nos tornamos invasores, na ânsia de ajudar, correndo o risco de sermos intrometidos ou, pelo contrário, tomamos a decisão oposta, que é deixar a pessoa no local que pretende, quieta, e afastamo-nos, ainda que com o sabor amargo de as termos abandonado, quem sabe quando mais precisam.
Nunca soube lidar com isto. Prefiro, de longe, as pessoas temperamentais que têm o coração na boca, e de expressam, muitas vezes de forma até agressiva. Não nos enganam, são transparentes no seu sentir, e habitualmente normalizam a postura rapidamente. Manifestando-se, permitem ao outro uma reação, um esclarecimento.
Os que fazem do silêncio a arma, atormentam-me, mas tenho vindo a mudar a minha postura. Se dantes tentava, até à exaustão, perceber o que se passava, agora, na maioria das vezes, passo adiante, e cumpro a apreendida vontade de serem deixados a sós.
Afinal, se me quisessem por perto, esforçar-se-iam por me fazer sentir bem-vinda. Bastava falar. Coisa simples, não é?