“O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade.” Esta é a frase que abre o primeiro ponto do Código Deontológico do Jornalista. O documento não serve de receita à atuação jornalística, mas sim de guia. Contudo, para que o trabalho dos órgãos de comunicação social seja olhado com confiança, todos os seus profissionais deveriam seguir a linha de atuação sugerida. Contudo, no mar de sobrelotação de informação em que nos movemos, há tropeções de falta de imparcialidade que não nos passam ao lado.
Expressões faciais, palavras enfatizadas, repetições e omissões: todas contribuem para potencialmente fazermos algo que parece impossível – entrar na cabeça de um jornalista e descobrir o que este está a pensar.
Nas vésperas das eleições gregas, em 2015, José Rodrigues dos Santos protagonizou uma série de reportagens televisivas, que acabaram por ser alvo de críticas. E porquê? Porque repetiu uma e outra vez a expressão “extrema-esquerda”, para se referir ao partido Syriza. Mais do que a repetição, a ênfase colocada na expressão fazia lembrar um episódio semelhante, ocorrido em 2012. Por essa altura, o jornalista usou o mesmo tom, acompanhado de movimentos gestuais, para vincar o facto de a GFK ter ficado em último lugar nos critérios técnicos dos concursos de avaliação da CAEM. Neste caso, as palavras “último” e “lugar” foram claramente sublinhadas pela modulação da voz.
Porém, esta (talvez aparente, talvez não) falta de imparcialidade não se faz notar apenas na “caixa mágica”. Vejamos um exemplo recente, relacionado com as eleições presidenciais francesas. Na semana em que se souberam os resultados da primeira volta, a revista “L’Express” publicou uma fotografia de Macron feliz, com o título “Ele ganhou”. Por seu turno, o “L’OBS” publicou duas fotos com simbologias distintas: um fundo branco com um Macron cheio de esperança e um fundo preto ocupado por Marine Le Pen.
Por cá, a página de Facebook Os Truques da Imprensa Portuguesa procura escrutinar publicações que suscitem dúvidas quanto ao rigor. A título de exemplo, recuperando as capas do jornal “Público” de 3 de abril de 2016 e de 29 de abril de 2017, os autores da página mostraram uma dualidade de opções: aquando dos protestos anti-Dilma, este movimento foi destaque na capa, por altura dos protestos anti-Temer, o tema das manifestações não mereceu menção na primeira página.
Estamos, então, perante escolhas editoriais, que refletem as ideologias subjacentes aos processos noticiosos e que, em última análise, ficarão vinculadas à audiência de cada órgão de comunicação social.
Ora, se não podemos combater uma comunicação social tendenciosa, que estejamos, pelo menos, conscientes das suas dinâmicas de concentração de propriedade. Isto, porque, caso sejamos audiência apenas do “Expresso” e da “SIC”, ouviremos um só lado da história – o lado do grupo Impresa. Caso optemos pela “Sábado” e pela “CMTV”, ouviremos outro lado da história – o lado do grupo Cofina. Contudo, no final, haverá apenas uma única ideologia a contribuir para o nosso enquadramento da realidade. Quanto mais diversificadas forem as fontes, mais completa fica a informação que adquirimos e, consequentemente, estaremos mais atentos, seremos mais críticos e tornar-nos-emos mais interessantes.