Gostava dele desde que tinha seis anos.
Lembrava-se perfeitamente da primeira vez que o tinha visto. Estava na escola, ele tinha chegado e tinha-lhe dado a mão. Ela olhara para ele, e depois para a mão que segurava na sua. Sentira-se chateada, quem era aquele miúdo estúpido que a agarrava? Mas antes de que ela pudesse tentar afastar-se ou falar, ele anunciou:
“Agora és minha namorada”.
Ele era mesmo assim, o que queria simplesmente arrebatava.
E nunca nos apercebíamos que tínhamos sido arrebatadas, quase contra a vontade e sem saber de antemão nem ter voto na matéria, porque entretanto, no segundo em que ele nos tocava nós percebíamos que ele era tudo o que queríamos.
O namoro infantil não tinha durado muito, afinal eram apenas crianças. Mas tinham-se tornado grandes amigos, e continuaram a ser os melhores amigos quando foram viver para países diferentes, e quando arranjaram outros namorados, e quando acabaram os cursos, e quando experimentaram a emoção do primeiro emprego.
Na realidade, embora fossem só melhores e grandes amigos, ela sempre tinha tido um fraquinho por ele, mesmo que não o reconhecesse nem para si própria. Fraquinho? Que estupidez, era quase como um irmão, era o melhor amigo dela!
Um dia, o telefone tocou.
“Vou voltar para Portugal” disse-lhe ele.
De novo, arrebatando-a. Tal como fizera ao obrigá-la a ser namorada dele. Aquela mania dele de ser tão seguro!
Ela combinou com ele no dia a seguir, no jardim onde sempre costumavam ir quando se baldavam às aulas para falar e fumar. Ela sentou-se no banco à espera, porque ele nunca era pontual. Riu-se com as lembranças de algumas peripécias na escola, com professores, e em casa com os pais. Sentiu-se nervosa por o ver, depois de tanto tempo. Nervosa porquê, se ele nunca tinha deixado de ser o seu grande amigo? Fraquinho? Amigo, coração, ele sempre foi o meu melhor amigo!
Ele apareceu com pouco de atraso, mas não tanto como ela pensava. Viu-o ao fundo a sorrir, e sorriu também. Levantou-se quando o viu correr, e sentiu, de repente, uma enorme pressa para ir ter com ele também. Para o abraçar e contar tudo o que se passava na sua vida, para fazerem planos. Correram para um abraço cheio de saudades, um abraço quente, estranho e familiar, que a deixou com a pele arrepiada.
Sem querer, ou talvez naturalmente, o abraço quente e estranho transformou-se num beijo. O beijo também se transformou, aumentou, a pele arrepiada era acariciada como se as peles se conhecessem há anos, como se tivessem sentido saudades daquilo que nunca tiveram, como se, mais do que a cabeça ou do que o coração deles, fosse a pele a adivinha daquela paixão.
Um beijo longo, demorado e apaixonado. Um beijo a sério, um beijo desesperado de desejo. Como se a idade não tivesse transformado a amizade, como se a distância não tivesse cortado os encontros. Como se desde aquele dia em que tinham seis anos e que ele decidiu que seriam namorados não tivesse passado sequer uma hora.