Portugal aos seus Donos!

Portugal encontra-se refém de um destino bastante madrasto! Não há como negar. A dura realidade que enfrentamos – e ainda o que está por conhecer – concretiza-se na diminuição inequívoca da qualidade de vida que as gerações correntes foram alcançando e dará a conhecer um mundo menos auspicioso aos mais novos. No final, testar-se-ão os níveis de tolerância ao banho de água (bem) fria em que nos estão a imergir.

O Povo é que paga…

A nós, cidadãos comuns, têm-nos pedido para suportar todos os sacrifícios em nome de um objectivo superior: diminuir a dependência dos mercados de dívida internacionais para conservar o euro como divisa. Para o efeito, este governo tem apostado em devolver credibilidade internacional a Portugal, nos mercados financeiros, ao mesmo tempo que procura relançar a competitividade externa nos mercados de bens e serviços transaccionáveis. O seu principal enfoque tem sido a estabilização das contas públicas e o embaratecimento nominal do factor trabalho. Na prática isso tem-se traduzido num aumento asfixiante da carga fiscal sem que – até agora – se tenham alcançado as metas do défice fiscal que o governo havia assumido perante a troika

Pois bem, posso estar equivocado mas estas medidas parecem querer responsabilizar o povo (entenda-se classe média no sentido lato) por ter “estado a viver acima das possibilidades”, como já muitas vezes se ouviu. Tendo em conta o equilíbrio de poderes entre representantes (democraticamente legitimados) e representados e o mandato de representação lasso de que gozam poder-se-ia dizer que os sacrifícios exigidos não são proporcionais. Ora, tendo em conta que o monopólio da representação política é detido pelas organizações profissionais, que a isso se dedicam, as medidas conhecidas ficam muito longe da interpretação mais estrita de equidade. Se me parece evidente que gozaram de plenos – e amplos – poderes para nos conduzirem a este (quase) naufrágio então também se afigura como razoável que ao se lhes assacarem responsabilidades se abra o debate para a revisão desse mandato de representação.

“Alto e para o baile!”

Que não haja ilusões! A dança das cadeiras já foi jogada até à exaustão! Nesta altura qualquer ida às urnas não pode servir de entretenimento ou distracção – como tem sido – para ninguém se não para os envolvidos na paródia. Já brincaram o suficiente! Se nos  estão a  tirar benefícios e regalias, se estamos a perder qualidade de vida , se nos querem impor a forma de aplicar o nosso vencimento, confiscando-o, e dessa forma restringindo-nos a discricionariedade e a autonomia em prol da preservação do euro então creio que se deva aplicar o mesmo receituário aos partidos políticos.

Como?! Retirando-lhes margem de manobra para dispor dos recursos do país e dos Portugueses para o (nos) depauperar. E o pior de tudo é que o fizeram (e ainda fazem) com impressões digitais mas sem julgamento! Como tal, está na hora de aumentar significativamente a contribuição dos Portugueses para o processo democrático de maneira a potenciar-se o poder do Povo, ou dito doutra forma da Democracia. De que forma?! Agilizar a mudança através destes 3 vectores:

  1. Transferindo uma parte relevante do processo de decisão, sobretudo as que envolvam medidas estruturais ou cujo impacto se perspective de longa duração, de volta para o povo;
  2. Num vector não menos importante de mudança há que eliminar, ou restringir assertivamente, todas as situações passíveis de gerar conflitos de interesse flagrantes entre as facções partidárias profissionais (e por inerência os seus membros) e os interesses da Nação;
  3. Não menos importante se afigura a necessidade de criar condições para um debate ideológico genuíno e acima de tudo construtivo. Para tal, há que facilitar a constituição de partidos políticos e com isso aumentar a concorrência entre os que já existem. Até porque é de falta de concorrência interna, particularmente em sectores chave da economia, de que padece a nossa competitividade internacional. No fim de contas, maior pluralidade, mais soluções, menos disparate!

As medidas

Como é sobejamente conhecido, a maior parte dos actuais regimes democráticos assenta na sua variante representativa ou indirecta. Basicamente, são eleitos representantes por sufrágio directo e universal que por sua vez ficam encarregues de conduzir os destinos do país produzindo legislação ou tomando medidas políticas para tal. Como tão bem (e infelizmente) sabemos conduz a resultados medíocres e a abusos de vária ordem por parte dos seus intervenientes pelo efeito subversivo provocado pelas falanges partidárias. A falta de mecanismos de controlo eficazes – eventualmente manietados politicamente – e o entorpecimento do Povo propiciaram esta acção cancerígena.

Assim sendo, uma vez que as organizações partidárias há muito deixaram de ter nas suas fileiras os mais capazes, os mais dotados e muito menos os mais sábios há que neutralizar o seu livre arbítrio acrescentando mais Povo à fórmula do processo de tomada de decisão. Revisitando os 3 vectores:

1. Reduzir o poder de decisão admitido à democracia representativa pura.

Se o Povo pudesse opinar ou participar no debate das decisões que mais comprometeram o futuro de Portugal certamente não teriam seguido por diante. Por isso, ao percorrer o espectro das variantes do regime democrático pretender-se-ia aproximarmo-nos mais da Democracia Directa (versão em inglês mais completa). No entanto, esta variante pura só faz sentido em universos populacionais muito reduzidos pelo que é impraticável (e indesejável) auscultar a opinião de todos os cidadãos. Ainda assim, poderíamos evoluir para uma de duas variantes: Democracia Participativa ou Democracia Semi-directa.

A Democracia Participativa, segundo a socióloga Brasileira Lígia Lüchmann, “trata-se de um conceito que está fundamentalmente ancorado na ideia de que a legitimidade das decisões e acções políticas deriva da deliberação pública de colectividades de cidadãos livres e iguais.Constitui-se, portanto, numa alternativa crítica às teorias “realistas” da democracia que, a exemplo do “elitismo democrático”, enfatizam o carácter privado e instrumental da política.”

A Democracia Semi-directa ideal de acordo com o autor Brasileiro Denis Moura “seria aquela em que a maioria, tendo poder de decisão sobre todas as decisões colectivas que lhe diz respeito, decide sobre as que considera mais importantes, ao intervir em quórum deliberativo maioritário sobre as mesmas, e delega a decisão sobre as menos importantes, por quórum deliberativo minoritário (e desta forma omissivo), aos representantes eleitos para este fim.”

Quanto às diferenças (definição wikipédia): “a democracia participativa pretende que existam efectivos mecanismos de controle da sociedade civil sob a administração pública, pressupondo assim uma prevalência da administração sobre os administrados, já a democracia semi-directa não pretende ser apenas mais um meio de controle da administração, mas ser a própria administração pública conduzida pela soberania popular.”

afonso henriques

Por isso:

Se se optasse pela primeira modalidade seria necessário criar uma comissão constituinte (composta por especialistas ou não) para se pronunciar sobre algumas matérias ou assuntos mais sensíveis e que teria de ser comprovadamente  independente de filiações partidárias. Para a selecção dos elementos a integrar esta comissão fiscalizadora recorrer-se-ia ao sorteio puramente aleatório da amostra dentro do universo permitido. Este procedimento assemelhar-se-ia com a escolha do júri típica do processo judicial Norte-Americano. Para auxiliar na deliberação destacaria o Tribunal de Contas – óptimo a analisar, inócuo a sancionar – e assim resolver-se-ia o seu problema de “falta de garra”. Este variante democrática aplicar-se-ia aos assuntos mais sensíveis, mais controversos e  de maior impacto para o futuro do país (ou região, município) a qualquer orgão legislativo ou executivo. A dar corpo a esta modalidade a Islândia que implementou “medidas como a criação de uma comissão constituinte de cidadãos sem filiação partidária que agora é consultada em quase todas as decisões políticas”.

segunda modalidade é bem ilustrada pelo processo legislativo Suiço (clicar aqui) que se convida a ler. Na mesma linha de raciocínio se aconselha a leitura da experiência democrática levada a cabo na Suécia: o Demoex (clicar aqui).

2. Pôr cobro aos conflitos de interesse que envolvam as falanges partidárias e os seus membros

A este nível, são várias as medidas práticas a implementar:

2.1. Admissões para o aparelho burocrático: definidas por legislação nacional – obviamente superintendida pela comissão constituinte competente – sendo o processo de contratação devidamente escrutinado no caso de não ter resultado de concurso público. Gostava apenas de enfatizar que a escolha para ocupar um dos cargos mais importantes na condução de política monetária nacional (e até mundial) foi publicitado num anúncio de emprego (ver aqui). Refiro-me à posição de Governador do Banco Central de Inglaterra;

2.2 Divulgação total da situação patrimonial dos representantes públicos e da sua família com particular ênfase nos cargos de direcção ou executivos. Quem não deve, não teme. A vida de um funcionário público de implica também exposição pública. Se a justiça não funciona então que se criem condições para mitigar a corrupção e o tráfico de influências;

2.3. Introdução de regras mais restritivas na contratação de especialistas de interesse público: o desempenho de um cargo público implica que não possa regressar à mesma empresa de onde procedeu para ingressar no estado por um período não inferior a 5 anos, após cessar funções. A docência seria recomendada. Seria também vedada a assunção de cargos executivos em empresas inseridas em sector chave da economia Portuguesa por igual período;

2.4 Escrutínio incisivo das relações promíscuas estabelecidas entre as sociedades de advogados e o Estado nomeadamente nos “departamentos de recursos humanos”.

2.5 Desfragmentar o mapa do poder local: e com isso cortam-se os tentáculos das falanges partidárias eliminando-se muitos dos seus bastiões!

3. Fomentar o debate ideológico construtivo

Neste capítulo a entrada de novos partidos na cena política nacional seria amplamente benéfico. Para tal há que remover barreiras à entrada e uma delas – a financeira – seria facilmente derrubada. Ficou-se a saber recentemente que o Estado gastou €209 milhões de euros (!!!) com os 5 partidos – os mais conhecidos – no último quinquénio (ler aqui). Menos para os corporativistas, mais para as ideias emergentes.

Por outro lado, quando um programa eleitoral fosse apresentado nas vésperas de um qualquer acto eleitoral passaria a ser vinculativo. O desvio significativo do seu cumprimento numa avaliação de base anual seria o suficiente para destituição.  Aposto que fariam campanhas honestas e que se acabava o “a situação que encontramos é pior do que prevíamos”!

A Democracia é uma fraude? (ler crónica aqui)

Não, simplesmente tem de ser reformulada aumentando a participação da sociedade civil bem como a sua acção fiscalizadora muito para além do voto.

Rui Rio, o ainda presidente da Câmara Municipal do Porto disse, para quem o quis ouvir há quase três anos(!), no programa “5 para a meia-noite” que o actual regime “estava caduco, esgotado”. Todavia ficou aquém de identificar, aqueles com quem se confundiu a introdução da democracia, aqueles que desde o início foram os interlocutores da população, como os agentes cancerígenos da Democracia!

Aquelas organizações a que chamam “partidos políticos” já nos demonstraram variadíssimas vezes a sua incompetência e que os seus interesses/agenda não estão alinhados com os do país. O que parece que ainda não entendemos é que não temos de nos contentar com a sua acção disruptiva e anti-patriótica. Isto porque Portugal não lhes pertence…

(artigo original publicado em 22/10/2012)

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