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O mito da criminalidade importada

Os desacatos na Grande Lisboa, no seguimento do assassinato de Odair Moniz pela polícia, trouxeram ao discurso público, através de políticos oportunistas e comentadores de direita, mais um mito associado à imigração: imigrantes e minorias étnicas são criminosos.

Diferentes canais televisivos passaram repetitivamente horas de vídeos onde autocarros a arder e cenas de violência serviam de fundo aos comentários de representantes das polícias ou das comunidades e bairros sociais. Enquanto isso, os políticos apelavam à calma (como se estivéssemos à beira de uma revolução popular que substituísse o poder instalado…).

Não só nos discursos de políticos ou nos meios de comunicação sensacionalistas, como também nas redes sociais, é frequente a partilha de fotografias ou desenhos descritivos de pessoas acusadas de cometer crimes e se alerta para cautela. Curiosamente, ou não, estas pessoas partilham algumas caraterísticas: são ciganos, negros ou imigrantes provenientes do Magrebe e Ásia.

Parte dos argumentos acerca da “perigosidade” dos imigrantes assenta na associação entre o aumento da criminalidade reportado no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), nomeadamente, um aumento (+14,1%) no número total de crimes em comparação com o ano anterior. Não poderia ser diferente, porque nos anteriores ainda se verificava a influência do confinamento e ainda existiam algumas restrições à livre circulação.

Nos últimos anos, a relação entre imigração e criminalidade tem sido distorcida por discursos políticos oportunistas e por uma cobertura mediática duvidosa, que tem contribuído para transmitir uma mensagem alarmista, mas não se baseia em dados. Além de adulterar a realidade, contribui para reforçar suposições e estereótipos, o que, nalguns casos, tem consequências trágicas, como é disso exemplo o ataque a imigrantes no Porto, e tantos outros que se poderiam mencionar.

Ao analisar os dados do RASI, observa-se que os crimes mais frequentes incluem condução com taxa de álcool acima de 1,2 g/l (6681 casos, um aumento de 43,4%) e abuso de cartão de garantia ou crédito (5117 casos, um aumento de 464,3%). A violência doméstica representa uma parcela significativa, com 13 281 casos, um aumento de 14,4%, sendo a extorsão o crime com maior aumento relativo (49,9%). Em termos de tipos de crime, 50,7% são contra o património e 25% contra pessoas, com destaque para roubos na via pública (907 casos, aumento de 21,1%). O roubo é o crime violento mais comum, representando 66% do total de ocorrências, especialmente nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal. Quanto à população prisional, houve um aumento de 6,9%, totalizando 12 383 pessoas, com uma clara maioria de nacionalidade portuguesa (84,7%) e do sexo masculino (92,9%).

E o que o relatório fala acerca dos imigrantes? Houve um aumento nas detenções, mas remete para pessoas em trânsito, ou seja, pessoas que usaram Portugal como escala para outros destinos. Os que têm como destino Portugal foram impelidos por redes de tráfico de pessoas, no que é o resultado do recrutamento para trabalho em campanhas agrícolas sazonais (azeitona, castanha, frutos ou produtos hortícolas), residindo nessas explorações agrícolas e totalmente dependentes dos empregadores (maioritariamente portugueses).

Embora alguns imigrantes possam, eventualmente, cometer crimes, os estudos demonstram que os imigrantes cometem menos crimes e violência em comparação com os nacionais (mesmo se incluirmos os imigrantes ilegais). Na verdade, aos estrangeiros são aplicadas medidas mais duras por comparação com os portugueses, mesmo se incluirmos as medidas preventivas. 

As pessoas migram para melhorar as suas condições materiais de vida, reunirem-se a familiares ou para estudar. Alguém consegue imaginar que um português vá para a Suíça, França ou Canadá para se tornar um criminoso? Como podemos ver pelos emigrantes portugueses, o processo de migração exige tempo, planeamento e, nalguns casos, as pessoas endividam-se para se conseguirem estabelecer noutro país.

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Nascido a 4 de Julho

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