Existe uma ideia generalizada de que a meritocracia é uma das ferramentas de afirmação individual e de ascensão social. Afinal, grandes inventores chegaram ao topo através de um esforço quase sobre-humano. Aliás, alguns nem sequer terminaram a universidade e são referências para todos. O sucesso é possível para todos, desde que me esforce muito.
Em parte, é verdade que alguns indivíduos têm a capacidade de, pelo próprio esforço alcançarem lugares de destaque, mas o que diz a realidade sobre o significado desta palavra vai além do que se poderia imaginar. Os indivíduos que pelo esforço próprio conseguem atingir o “sucesso” são a exceção e não a regra.
Em qualquer sociedade, em princípio, todos começam no mesmo ponto de partida, certo? Não é bem assim. Vejamos o seguinte: uma das formas de diferenciação entre as pessoas é a educação e estudos já demonstraram que o nível de estudos que os pais têm influência em muito o futuro dos filhos. Todos carregamos um peso que é consequência da classe social em que nos inserimos.
A ideia de meritocracia propõe um mundo construído numa possibilidade infinita de se alcançar sucesso, imitando as atitudes de outros ou explorando-nos a nós mesmos. Vejamos o seguinte exemplo: um estudante afrodescendente tem as mesmas oportunidades de sucesso do que um estudante de classe média alta de alcançar lugares de topo na sociedade? Um estudante proveniente de uma família pobre e com baixa literacia tem as mesmas oportunidades do que um filho de pais altamente qualificados? E o acesso a bens culturais, tais como cultura? É o mesmo para ambos os casos?
A educação seria, para os idealistas, a tábua de salvação para as pessoas pobres ou excluídas para conseguirem inverter a situação em que estão. Mas a educação, regra geral contribui mais para reproduzir as diferenças sociais já existentes do que para acabar com elas.
A meritocracia serve o propósito de disciplinar e aliciar gerações de pessoas dispostas a jogar um jogo onde o grande vencedor serão sempre os mesmos. Ou seja, o ónus está sempre no indivíduo e na sua capacidade de ter reconhecimento pelas suas conquistas. Neste sistema as pessoas com mais capital, quer seja económico, cultural ou social, serão as beneficiadas em detrimento de outras que, aliciadas pela possibilidade de as alcançar, ficarão no mesmo lugar social. De outro modo, quem já entra em vantagem neste jogo social tem a facilidade de “saltar” mais algumas casas enquanto quem parte do início só não é bem sucedido por falta de esforço.
Esta herança social está distribuída desigualmente e é o calcanhar de Aquiles da meritocracia. Claro que existem exceções e pessoas que subiram a pulso, mas são isso mesmo: exceções, e exceções não fazem regras.
A nossa sociedade está construída à volta do trabalho e a ideia de meritocracia permite às pessoas continuarem a jogar num sistema com as regras viciadas. A grande desilusão do liberalismo é esta: não somos tão livres como pensamos ser para nos conseguirmos libertar das amarras da nossa condição social; não é possível um sistema meritocrático porque não estamos todos em pé de igualdade e, especialmente, porque não carregamos todos a herança social que pesa sobre nós.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico