Pai – Avô / Filho – Neto

Todos nós já passámos por situações embaraçosas relativamente à idade calculada de alguém. Cada vez mais comum, é a dúvida, quando vemos uma criança pequena acompanhada por um homem de meia idade, se será o pai ou o avô.

Se bem que ainda coexistam famílias de maternidade e paternidade em idades jovens, em que o primeiro filho surge pelos 20 anos, é-se avó aos 45 e bisavó aos 70, esta situação é cada vez mais rara. Hoje em dia, tem-se filhos cada vez mais tarde, por diversos motivos, sendo que um dos principais é a existência de diversas formas de controlo da natalidade, o que permite a geração intencional da família, ao contrário do que acontecia anteriormente, muitas vezes por ignorância de métodos. Para além da existência de famílias numerosas, a maternidade era exercida em toda a vida fértil, se bem que o primeiro filho nascesse precocemente.

Nos dias que correm, regra geral, os estudos prolongam-se para além do limiar da idade adulta, o que acaba por adiar o momento da independência financeira. Mesmo quando esta é alcançada, a incerteza do mercado de trabalho, a precariedade, vão colocando para melhores dias o desejo de sair de casa ou de constituir família. Na faixa etária dos 20 anos, pode ter-se o menor ordenado de toda uma vida, mas vivendo em casa dos pais, o rendimento é canalizado para o lazer, sem necessidade de despender dinheiro nas despesas básicas de sobrevivência. Cria-se assim uma fase intermédia em que se pretende usufruir dos prazeres da vida, o que vai criando um estilo que não é, ao contrário de antigamente, focado no casamento e na procriação. Encontrar um parceiro de vida com quem se queira formar lar também não é fácil. Se dantes as pessoas casavam com os amigos de infância, vizinhos, e conterrâneos, fruto de alguma imobilidade geográfica, hoje em dia viaja-se mais, trabalha-se ou estuda-se mais longe,   conhece-se mais gente, convive-se com um leque alargado de pessoas, habitualmente com interesses pessoais que culminam no adiamento maternal ou paternal.

No caso das mulheres, que têm uma limitação temporal da sua fertilidade, esse adiar, para quem quer ser mãe, não é tão expressivo como nos homens. No entanto, dada a cada vez maior formação académica e integração laboral em cargos de chefia, o desenvolvimento da carreira tem um peso que não tinha no tempo das nossas avós, que trabalhavam mais por uma questão de ajuda nos custos do que por brio profissional.

Assim, não é difícil encontrar casos em que a maternidade / paternidade se exerce pela primeira vez na 2ª metade da década dos 30, ou mesmo na década dos 40. A evolução médica, manifesta no surgimento e desenvolvimento de meios de diagnóstico, vem de alguma forma  ao encontro das expectativas pessoais e sociais, garantindo a segurança da gestação tardia. A fertilidade, em ambos os sexos, vai decrescendo também com a idade, pelo que a probabilidade de concepção é maior e mais rápida aos 20 anos do que nas décadas posteriores. Assim, mesmo quando se pretende engravidar, a resposta nem sempre é imediata, o que faz avançar no tempo a concretização da vontade, sendo relativamente comum ser necessário algum auxílio médico na incrementação da fertilidade.

Ora, todas estas condicionantes levam-nos a que seja muito comum encontrar pais e mães de 40 anos a frequentar o infantário. No passado, estas pessoas eram tidas como tendo problemas físicos, ou na melhor das situações, pais de 2ª ou 3ª geração, tendo já filhos próximos ou mesmo já na maioridade, nunca pais de filho único. Se formos ainda mais atrás, algumas destas crianças terão sido geradas, inintencionalmente, em fase de pré-menopausa. Hoje essa maternidade ou paternidade, anteriormente vista como tardia, é perfeitamente comum e mesmo intencional.

Pensando na família de forma mais alargada, podemos questionar-nos que idade têm os avós destas crianças? Talvez tenham entre 60 e 70 e tais anos, senão mais. Se por um lado a vida laboral se estende até cada vez mais tarde, isso implica alguma indisponibilidade destes para apoiarem os filhos com as crianças pequenas como era habitual em décadas anteriores, nalguns casos em tempo integral até estes integrarem a escolaridade obrigatória. Por outro lado, dada a faixa etária, são muitas vezes pessoas já com algumas limitações em termos de saúde, o que em casos agravados poderão implicar a incapacidade de manter a sua autonomia. Ora, estão reunidas as condições para uma inversão antecipada de papéis sociais, tornando-se os filhos responsáveis pelos seus pais em idades precoces, passando a ser pais dos próprios pais.

O conceito sanduíche criado há alguns anos refere-se assim a uma geração activa intermédia entre os filhos e os netos. Mais ainda, tendo em conta a longevidade crescente, muitas vezes com avós ainda vivos, numa extensão de 4 faixas etárias.

Quando a distância etária era menor, os filhos eram criados enquanto os avós ainda se encontravam em perfeito estado de saúde, contribuindo para a educação destes. Quanto muito, os avós tinham a seu cargo os avós, coexistindo 2 gerações activas, uma que tratava das crianças, a outra dos idosos. Hoje em dia, com o distanciamento de 30 a 40 anos, a geração intermédia tem a seu cargo, de forma directa ou indirecta, as gerações a montante e a jusante. Preocupa-se com os filhos no infantário e os pais nos médicos. Sendo cada vez mais comum a utilização de lares ou casas de repouso para os casos que estão condicionados na sua autonomia, até porque os filhos estão em pleno emprego, não deixam estes de ser sobrecarregados com esta situação. Num tempo em que deveriam estar a preparar o futuro dos filhos, dando-lhes hipótese de estudar ou mesmo de os ajudar em início de vida, estão assoberbados com questões financeiras dos pais, de despesas médicas e afins. Dividem-se entre dois cenários simultâneos, entre a infância e a terceira idade. E pelo que se tem visto, é de esperar que este alargar de tempo continue e se majore até aos limites da biologia, alargando o fosso.

Esta situação tem ainda outros efeitos colaterais. Por um lado, não obstante a longevidade conquistada, será difícil que crianças nascidas de pais tardios venham a conhecer os bisavós, ou pelo menos em condições aceitáveis de saúde, pelo que se perderão os laços com os antepassados. Por outro lado, a construção basilar da vida (emprego, casa, criação de família) ocorrendo mais tarde, pode suscitar o auxílio dos pais, que nesta fase já poderão não estar disponíveis para o fazer. Falo de questões monetárias, como ser credor do filho num empréstimo de habitação, por exemplo, ou no apoio em caso de divórcios, muitas vezes coincidentes com a necessidade de voltar à casa paternal. Todavia, falo também do apoio dos progenitores nas questões do dia a dia, no aconselhamento, partilha de preocupações ou afectos. O desaparecimento dos progenitores nesta fase, embora não o seja de facto, pode ser entendido como orfandade, revelando uma carência emocional antecipada.

Muitas vezes se comenta que fulano, quando tiver 10 anos, terá um pai com 50 anos. Questiona-se se o pai estará disponível para a evolução das novas gerações, se terá energia para acompanhar o filho ao longo da sua vida, na escola, na vida pessoal, nos descendentes.

E se perguntarmos a este miúdo, que um dia terá 40 anos, se estará preparado para tomar conta do seu pai de 80 anos, provavelmente ainda nem tendo sido pai, ou sendo-o de uma criança pequena, que resposta obteremos? Não se trata apenas de ser confundido com um pai-avô ou de sofrer na pele a diferenciação de mentalidades face a outros pais mais jovens, se bem que muitas vezes é mais uma questão de personalidade do que de idade, mas de gerar um questão a ser solucionada pelos descendentes.

Se bem que a decisão de ter um filho não se paute por critérios de demografia, é um problema que deveremos antecipar e não apenas numa questão financeira de encargos com reformas.

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