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Live and let die

A discussão da eutanásia voltou à ordem do dia. Em Espanha, Itália e Portugal discute-se a possível legalidade e aceitação da prática, enquanto na Holanda, onde há anos é legislada esta opção, se discute a hipotética distribuição de pílulas suicidas a maiores de 70 anos, que obviamente assim o requisitem.

Se há tema em que não tenho dúvidas existenciais, é neste. Se no caso do aborto tenho algumas reticências, porque envolve uma mãe, um pai, uma vida em projecto, deficientes formas de contracepção, apoios e planos de vida, nesta situação parece-me que a decisão em campo próprio deverá ser de todo legitimada, até porque coexistem numa só pessoa o decisor e a vítima.

Caetano Veloso tem uma música lançada em 1993, Haiti, em que fala sobre as decisões políticas de um Brasil perdido e sem rumo. Por entre o texto, surgem estes versos, que me deram que pensar:

“E se esse mesmo deputado defender a adopção da pena capital.

E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto, mas nenhum no marginal.”

Parece-me que há aqui 2 pontos importantes: por um lado a razoabilidade de uma entidade externa decidir de forma imperativa a permissão ou proibição de um acto que apenas afecta o próprio interessado, sem implicações a montante ou jusante, por outro a necessidade de se reconhecer a capacidade de decisão em causa própria, tendo em conta que existem condições psicológicas para tal.

A Eutanásia é muitas vezes definida como forma de terminar com um sofrimento atroz, causado por doença terminal, incurável ou dolorosa. Esta é praticada por um profissional de saúde, sendo diferente do Suicídio Assistido, em que são disponibilizados meios ao doente para que ele mesmo cometa suicídio. Pode ser ainda passiva, que se define pela interrupção de tratamentos, ou activa, pela inserção no organismo de substâncias causadoras de morte.  Noutra perspectiva, pode ser deliberada, tomada pelo próprio doente, ou involuntária, caso este não esteja em condições de a requisitar, mas seja pedida por terceiros, baseados no entendimento previamente comunicado do próprio.

O que me parece indispensável é a delimitação exígua das condições da mesma, salvaguardando sempre os interesses do doente, não dando margem a aproveitamentos imorais sobre esta decisão. Assim sendo, concedida a legitimidade da auto-decisão, estou convicta que deverá ser claro o processo de validação, que terá que cumprir, para já, os seguintes pontos:

  1. Reconhecer o direito do próprio a optar pela morte antecipada em condições de doença que seja incomportável pela dor ou limitação de vida, sem perspectiva de melhoria, esgotados todos os tratamentos disponíveis.
  2. Validação, por testemunho prévio, escrito ou momentâneo, dessa vontade.
  3. Acompanhamento médico de diversas especialidades, para diagnóstico da situação e garantia da capacidade mental no momento da decisão bem como eliminação de outras causas como depressão.
  4. Criteriosa verificação de dados quando a eutanásia é pedida por terceiros, não no interesse do próprio e concordante com a vontade deste, mas para aligeirar cuidados com ascendentes e antecipar heranças.

Muito mais detalhes terão que ser tidos em conta, mas estes parecem-me básicos e essenciais. Aqueles que são contra a prática da Eutanásia apoiam-se no desejo do desenvolvimento e democratização dos cuidados paliativos. Penso que os que apoiam a eutanásia também o desejam, e claramente a remetem para casos in extremis. Ainda assim, parece-me que perpetuar uma vida não desejada, ainda que sem sofrimento, possa ser um tipo de agressão ao doente, daí a importância da auto-decisão.

Há 2 filmes que abordam de forma brilhante este tema, e que me fizeram reflectir em profundidade. Um é o Mar Adentro, com Javier Bardem, de 2004, o outro é o Escafandro e a Borboleta, com Mathieu Almaric de 2007, extraordinários, e capazes de nos fazer sentir muito mais do que quaisquer palavras que possam ser ditas. Se tiverem oportunidade, vejam-nos.

Quero viver, sempre e o mais que possa, mas não quero ver-me sem opção, um dia em que só reste uma esperança…

But if this ever changin’ world

In which we live in

Makes you give in and cry

Say live and let die

Live and let die

(Original Paul McCartney / Versão Guns n’Roses)

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