A dualidade da escolha

Às vezes olho para a vida como uma grande viagem. Talvez esse seja um dos motivos porque gosto tanto de viajar. Sei que parece parvo, mas do que mais gosto, é da primeira sensação que se sente ao chegar ao destino e agarrar na mochila e seguir caminho, na tentativa quase sempre vã de me equilibrar e à bagagem, por ruas que me parecem sempre demasiado tortuosas.

Por isso e apesar da ideia até ser bastante cliché, nas tentativas vãs de equilibrismo em plena viagem, há uma sensação libertadora de perceber que a vida é assim, que trazemos bagagem quando chegamos, normalmente sempre mais pesada quando partimos e que apesar dos caminhos que possamos percorrer, é necessário sabermo-nos leves, apesar do peso que possamos trazer às costas.

Nesta vida de insana caminhada, há muitas pessoas que se cruzam connosco. Um minuto, meros meses, outras por longos e invejáveis anos. Todas elas, apesar do tempo de permanência, têm uma característica precisa: a de nos fazerem bem ou mal. O que me remete à frase que teimosamente digo a todos os amigos em alegre confissão, a de que tudo é possível de ser colocado numa balança, que todas as escolhas são muito simples, ou é bom ou não. E isto é uma grande mentira.

Estamos ao longo da vida a equilibrarmo-nos, de mochila às costas, com todo o género de pessoas a passarem pelas nossas vidas. Todas, mesmo que por segundos, mesmo que não queiramos, deixam-nos o seu impacto. Um sorriso ao servirem-nos o café na pastelaria numa manhã que começa azeda ao afastar inesperado daqueles por quem nos apaixonámos.

Sem dualidades, há também quem permaneça e nos faça mal, em relações perfeitamente sadomasoquistas, que nos deixam exaustos, que teimam em puxar-nos para buracos demasiado negros.

Existem depois as relações saudáveis: as pessoas que nos limpam a alma, com quem nos sentimos mais leves, que podemos ser nós, que nos acrescentam. São as que valem a pena. As que devemos deixar permanecer.

Como é que nós, que trazemos sempre tanto peso, podemos proteger-nos das pessoas que nada nos acrescentam? E encontrar e permitir as que nos dão sentido de permanecerem?

Desta vez não vou mentir. Não é simples. Não é só colocar na balança, não é só separar o trigo do joio. É o exercício constante de sentir que merecemos. O percebermos em nós o que vale a pena manter e queremos que permaneça. Mais do que saber é sentir que a vida, apesar de toda a imprevisibilidade, vale muito mais a pena quando os que nos envolvem nos fazem bem. A escolha é e será sempre nossa.

Que as nossas viagens individuais valham a pena. Que as nossas escolhas sejam sempre as melhores, com a noção de que aqueles que por momentos não nos fizeram avançar, também nos deram algo, nem que seja a capacidade de escolha. E que nos lembremos que nem sempre as nossas mochilas têm de seguir tão pesadas.

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