Jéssica e outras filhas de vermes desprezíveis

Apenas três anos. Um pavio curto e duro. Menina de ninguém, mas com valor pecuniário. Consta que era uma dívida que estava em causa. Não frequentava qualquer escola. Existia? Criança com irmãos de outros pais, soa a história familiar. Três anos e dor. Cinco filhos retirados à mãe e esta menina, apesar de estar referenciada, teve o processo arquivado há pouco mais de um mês.

Pobres anjos que nem tempo têm de espalhar o seu amor, aquilo que lhe faltou. Escorraçada para casa de uma suposta ama, foi-lhe roubada a luz. Três anos, apenas três anos. Ser frágil que foi sujeito a tanta raiva e desinteresse. Que triste. Mais triste que a vida dura e curta que teve foi o final, a tortura a que esteve sujeita. Mais de 50 golpes. Como se para tamanha crueldade? Que é feito da humanidade?

Valentina estava referenciada. Diziam que estava tudo bem. Diziam. Morreu às mãos do pai e da madrasta. Jéssica sucumbe sem a sua família. Devolvida como se fosse um trapo velho, sem préstimo, já não vivia, apenas sofria até ao rebate final. Que estranha e macabra coincidência. Duas meninas, dois anjos a quem foram cortadas as asas bem cedo. Jessica, a flor que não medrou.

Lara, menina morta às mãos do pai, um louco que, enraivecido, foi espalhando a morte no seu caminho. Tantas queixas feitas nos serviços competentes e, mais uma vez, a lentidão de acreditar ou de fazer andar o processo. No dia em que tudo aconteceu, o pai iria a tribunal, situação que se arrastava há tempo em demasia. Lara, menina pequena que confiou no seu pai, o que lhe deu vida e que acabou por ser o seu carrasco. Sem coragem de enfrentar a realidade e o seu crime hediondo, colocou termo à vida.

Que se passa com estes seres que de humanos nada têm? Como é possível acontecerem estes tão bizarros finais? Três anos. Uma bebé e pouco mais. Que incómoda que se estava a tornar. E assim, sem mais nem menos, se leva a vontade de crescer. Valentina era outro impedimento e não podia continuar. Que é feito da fibra sensível destes pais que apenas têm direito ao nome por darem uma pequena parte de si?

Dizem que entre os vários destratos, uns quantos foram de teor sexual. Como? O horror vive dentro de seres que são odiosos. Três anos. Já não vai brincar mais nem rir, não vai aprender a ler nem contar nem vai saber que foi vítima da maldade humana. Filha de uma mulher que não sabia amar. Talvez não tenha a culpa total, que o amor não se aprende, mas o pequeno ser, a Jéssica, era da sua responsabilidade.

Onde estão as instituições que gerem estas circunstâncias? Todas são surdas e cegas. Quando são para importunar sem qualquer motivo, chegam-se logo à frente e levam vidas inocentes a desespero. Querem retirar filhos a mães que os querem mais protegidos, a fazerem ensino doméstico, ou a mães que tudo dão para que os filhos tenham qualidade de vida, não investigam queixas sobre casos que nunca aconteceram e julgam-se donos da verdade.

Até aqui o factor humano é omisso. É de pessoas que se trata e não de papéis ou algo de estranho. Só, a talhe de foice, sei de um caso que quase arruinou uma família, com despesas inúteis e desnecessárias para comprovar que os ditos serviços estavam errados. Infelizmente teve um final que não se deseja. Quando tudo estava nos eixos, sem culpas nem queixas, a menina acabou por falecer. Uma dor que a mãe nunca conseguirá superar. Um calvário bizarro, mas os técnicos nunca são responsabilizados pela incompetência e prepotência.

Jéssica, três anos e cinco irmãos que não viviam em família por apresentarem risco. Não será caso para ser acompanhado? Onde estão os irmãos? Quem são os responsáveis? Como sempre a culpa continua solteira e a morte desta criança, com requintes de malvadez e ideologia medieval, não pode nem deve ficar impune. Quantas Jéssicas existem perdidas por aí? Quem lhes dá a mão e evita o pior? Quem?

Jéssica, três anos. Um anjo que não soube abrir as asas por ser pura e confiar nas pessoas. Que cruel esta realidade. Três anos. Podia ser filha de qualquer mãe que a amasse. Não a sua. Mãe, palavra que até faz doer. Mãe é quem cria e não quem pare. A dela era uma espécie de linha de montagem. Seis filhos e nenhum amor nem carinho. Mãe, que palavra estranha a arranhar na garganta e no coração.

Jéssica, mais uma vez falhámos em tudo. Não há forma de te pedir desculpa. Nenhum julgamento te vai trazer de volta, por mais revolta que se possa sentir. Se existe castigo, então que vá directo para quem é capaz de praticar uma brutalidade dessas. Fique onde é preciso. Tudo isto é inenarrável. Que vida tão madrasta!

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