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O amor é sempre jovem

Quando fiz anos, o meu marido foi um querido. Preparou-me uma viagem surpresa tão detalhada que não me passou pela cabeça que tal fosse acontecer. É meu hábito cuidar de todos e sempre por isso vou-me esquecendo de mim sem me importar. Desde que estejam felizes, ele e os miúdos, está tudo bem e a vida flui como o rio que nunca para.

Durante anos, andámos a amealhar para levar as crianças a locais onde elas fossem felizes e criassem memórias doces e suaves. Nada de grandes coisas, que não os queremos transformados em tiranos, apenas paisagens que o coração soubesse sentir mais que os olhos. Todos os anos eram escolhidos com tanto amor que seria impossível que não gostassem.

O tempo é um malandro e passa tão rápido como o vento que arrasta os lençóis que não estão bem presos. Não nos damos conta e quando olhamos os dias de plenitude e de infância já partiram há muito. Agora o que eles querem é estar com os seus pares e terem uma vida autónoma. É legítimo e sensato. É uma bênção que assim sejam e não o seu contrário. Sou uma felizarda.

Em gaiata gostava das festas de anos pois era a oportunidade de ver os avós e tios que moravam mais longe. Eram abraços e beijos que se trocavam como se a vida estivesse sempre disposta a receber o mel que cada um tem dentro de si e tudo fosse natural. Tempos de glória e de perfeita ingenuidade que alegram os tempos menos agradáveis e o pintam com tons pastel e bem cheirosos. Uma autêntica delícia.

Um dia o ninho ficou vazio e voltámos a estar os dois como no início da nossa vida em comum. Parecíamos estranhos que tinham a tarefa de se conhecer e descobrir. Uma tarefa nada fácil, mas desafiante. Foi então que voltei a olhar para mim e a perceber que ainda me faltava fazer tanto! Queria voltar a ser aventureira e conhecer novos mundos. Claro que há sempre a tal viagem de sonho, aquela que se sabe que nunca se poderá concretizar, mas que faz parte do imaginário. Todos os dias.

Ele sempre foi homem de surpresas, mas contidas. Só que daquela vez deve ter percebido que o tempo escorregava e era chegado o momento de concretizar o pequeno sonho dos dois. Só me disse que íamos passar o fim-de-semana fora o que me deixou bem-humorada. Sair da rotina é positivo e salutar. Apesar dos meninos já terem as asas abertas, achei por bem carregar o frigorífico de comida não fossem ter saudades. Manias de mãe que demoram anos a passar e algumas nunca desaparecem.

Chegámos ao aeroporto e fiquei logo encantada. Ir de avião significava que era mais longe do que pensava. Ou seria apenas um baptismo de voo até a uma cidade nacional? A expectativa era grande e senti-me uma criança a quem mostram um embrulho gigante no Natal. Não quis dar parte de fraca e nem sequer senti medo de voar, apenas uma enorme alegria que cantava dentro do meu coração.

Sempre de mão dada comigo, como se ainda a idade das loucuras não fosse castradora e malévola, senti que os nossos corações, tão jovens ainda, batiam em uníssono e num tom elevadíssimo. A qualquer momento podia saltar e rolar pelo chão como se fosse um simples brinquedo. Os nossos olhares voltaram a estar afinados e era uma adolescência reencontrada que nos movia.

Aterrámos em Paris. Nem queria acreditar! Os meus pés estavam a pisar o solo da revolução, da moda, das catedrais e dos maiores eventos de sempre. Já me imaginava a passear pelas pontes todas, no barco do Sena e no topo da torre Eiffel. Um sonho tornado realidade. Contudo, o melhor ainda estava para vir. Eu é que não estava preparada para tanta coisa boa ao mesmo tempo. Cheguei a duvidar do que estava a sentir,

O nosso casamento tinha sido humilde e sem posses para uma grande festa. Naqueles tempos as moedinhas serviam para as coisinhas básicas e uma viagem era um luxo que nem dava para pensar. Depois começaram a chegar os rapazes e essas ideias ficaram arrecadadas no sótão dos esquecimentos. Não quer isto dizer que não me lembrasse, de vez em quando, desses sonhos que teimavam em fluir à minha cabeça.

De joelhos, em plena ponte, ele voltou a declarar-se como se fosse a primeira vez e ainda todos os planos estivessem por ser concretizados. Com um anel lindíssimo, que me fez logo ofuscar com o seu brilho, pediu-me em casamento e, num passe de mágica, o tempo retrocedeu até ao tempo em que os nossos olhos brilhavam com ideias de futuro perfeito. Estava a acontecer tudo o que eu, secretamente, tinha desejado, mas nem me tinha atrevido a dizer.

Afinal, os sonhos podem ser realizados e aqueles dias foram de intensa e enorme felicidade. Já nem me lembrava de o ver tão descontraído e juvenil. A chama que nos tinha juntado continuava acesa, mas agora tomava uma nova cor e dimensão. Éramos os amantes ideais e qualquer local era o certo para expressar o nosso amor. A juventude voltou e o nosso corpo até ressuscitou.

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