É uma verdade reconhecida a de que ninguém gosta de nódoas. Umas são mais suportáveis do que outras, a saber: as que são tão pequenas que não incomodam, as adquiridas num repasto entre bons convivas, ou aquelas que resultam do corpo a rolar solto num barranco relvado, por exemplo. Se no seguimento de um encontrão uma mancha de café nos ensopa a blusa de caxemira, a história não é bem a mesma – a não ser que a parede que nos atropelou valha a pena.
Algumas pessoas são o primeiro tipo nódoa, quase não incomodam. Outras conseguem ser uma confluência entre a distração, a nódoa de café e uma parede móvel que surge não sabemos de onde. Não importa o quanto fujamos delas, aparecem à nossa frente com uma cevada a ferver e ameaçam entorná-la sobre nós. Quando concretizam, o líquido entranha-se nas fibras e só sai à força da tesourada. Às vezes, é a única solução; abrir um buraco, cortar. Fechar-lhes a porta na cara. Inibir-lhes as chamadas. Bloqueá-las nas redes sociais – nas nossas, nas dos cônjuges e nas dos filhos. Se insistem na perseguição tóxica, não será má ideia avisar familiares de segundo e terceiro grau e os vizinhos do lado. Vasculham tudo. Mostram-se disponíveis, dominam as conversas com simpatia, distribuem sorrisos. Adoráveis à primeira vista, mas manipuladoras. A missão é de guerra e a mira está apontada. São sociopatas em potência.
Tentar alertar os desavisados é inútil, não acreditarão. “Como assim, más intenções? Ainda ontem me ajudou a trazer as compras para casa.”; “Tão solta, tão simpática, tão disponível… não estarás com uma pontinha de inveja?”. Não é inveja, é inteligência emocional. Nem toda a gente a tem, então protejam-se e assistam – a uma distância segura – ao cafezinho a tombar sobre o peito de outro inocente. Este é o tipo de pessoa que desejamos tanto nas nossas vidas como a uma martelada no dedo; para nosso regozijo, são igualmente raras.
E nos antípodas da desgraça, encontraremos paz? Gritemos juntos: sim! Há os que sujam e os que limpam, os que trazem compressas frescas para nos acudirem e uma mão pronta a alisar-nos o cabelo. Estes são de guardar. Podem ser apagados ou exuberantes, mas são intrinsecamente bons. Não devem ser medidos como as doses de esparguete para dois. Dão como se fossem ricos, aparecem como se fossem irmãos, julgam como se fossem os piores criminosos – “Acontece a todos, não fiques assim. Eu já fiz isso e até pior.” Não fizeram nada, só querem aliviar o fardo. A sensibilidade envergonha-se por parecer insensível ao pé deles, a humanidade sente-se um erro de casting, e é.
Para alguns de nós é simples fazer uma triagem empírica dos que vão cruzando caminhos, para outros a vida é um trilho de desenganos, mágoas e nervos inflamados. A complexidade das emoções humanas – ou da simulação delas – obriga-nos viver em desassossego e incredulidade, confrontados como os que representam o pior da fauna terrestre, mas este desencanto não deve – não pode – sobrepor-se ao lado que mais deve pesar na balança: o do amor.