O Mercado da Ribeira

Desiluda-se quem pensa entrar num mercado e só encontrar a Tia Xica das couves e a Maria Adelaide das cebolas. Elas ainda lá estão, sossegadas, no seu posto, mas se quiser comprar fruta ou flores terá que puxar do seu internacionalismo linguístico e ir às pedras ou bancas do Abdul, do Sidik ou até mesmo do Farouk. São eles que dominam as frutas e a maior parte das flores. As primeiras muito bem arrumadas, alinhadas lado a lado como se soldados fossem, num pelotão; as segundas, multicoloridas, tal como as línguas que se falam naquele local.

O tradicional e o pitoresco não se perdeu, renovou-se e melhorou. O que acontece é que se deu uma evolução natural, uma espécie de operação plástica que trouxe um toque moderno ao local. Alfaces, bifes e flores convivem alegremente num espaço amplo e muito movimentado. O corropio não se perdeu e as vozes, que se elevam, continuam a marcar o ritmo de trabalho que não pára. Lisboa renova-se.

Numa outra nave viaja-se no tempo. É a cozinha de chef, a marca que se vai implementando no dia a dia dos portugueses. Curioso é verificar que quem frequenta o local são os estrangeiros, dando-lhe um toque cada vez mais cosmopolita. Ouvem-se línguas estranhas e diferentes, mas a comunicação é internacional: o inglês.

Dos pastéis de nata aos pastéis de bacalhau tudo pode ser encontrado ali, à mão de semear, num enorme tacho no refogado de sabores intensos e que tocam o paladar. O bacalhau redescoberto pelos nacionais, é uma das estrelas em grande parte dos restaurantes. Confeccionado de 1001 maneiras chama a atenção e desperta a curiosidade daqueles que não fazem a mínima ideia do que se trata. Claro que a cozinha internacional não foi esquecida, mas não é a dominante. O kebah existe em muitos locais, mas a gastronomia portuguesa é única.

Um sábado de manhã é o momento ideal para ser espectador no palco das operações. Entre as cargas e descargas, as conversas entre os comerciantes e os desabafos de cansaço e fartura, tudo se pode ouvir a aproveitar para meditar. As senhoras são idosas, ocupam-se do tradicional, os homens são mais jovens e dominam o pomar. Quem carrega e descarrega já leva muitos anos na função e conheça bem os caminhos e atalhos para chegar ao destino. O tempo passou, mas nada, para eles, mudou.

Nos cantos do costume vegetam os habitués, os filhos e netos daquelas que nunca os deixaram crescer, bebendo bagaços e fumando cigarros que já morreram de tanto uso. Para estes o tempo é o mesmo, o da infância prolongada e desejada., onde as moedas que têm nas algibeiras contam histórias infantis umas as outras. Eternos meninos que fazem cm que as progenitoras não envelheçam. Eles, mesmo sabendo, vão-se deixando ficar numa eterna adolescência que, inevitavelmente, vai terminar.

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