Brexit: Let the Games Begin

Agora é a sério. O Reino Unido acionou o artigo 50 e pretende mesmo sair. Se o processo chegará ao fim ou se será concluído no espaço de dois anos, ainda está por determinar, mas é conhecida a intenção oficial do Reino Unido.

Não nos apanha de surpresa. Foi no verão passado que tivemos conhecimento das intenções da população britânica. As motivações políticas e a forma como o referendo foi conduzido pode ser amplamente discutido, contudo, a partir do momento em que se chama a população a decidir sobre o tema, os britânicos têm de respeitar o resultado final.

Theresa May é produto do desfecho do referendo. A jogada política de David Cameron fez com que tivesse de abdicar do seu lugar em favor à nova Primeira-Ministra britânica. Por esse motivo, a sua estratégia de atuação política deve concentrar-se em redor da decisão mais importante e sensível de política externa e interna do país.

Desde o início que se fala numa estratégia muito própria da Primeira-Ministra, à qual se conjuga o nome de outra música de Frank Sinatra – May Way. Pela minha análise, May passou por três fases até este momento: numa primeira fase, procurou ganhar credibilidade dentro e fora do país, uma vez que é uma Primeira-Ministra que não passou pelo escrutínio eleitoral; em seguida, tentar arrumar a casa, pois tem consciência que a decisão da saída do Reino Unido da União Europeia não é consensual e pode colocar em causa a unidade do reino; por último, manteve uma política coerente com a decisão da nação, manteve-se à margem do núcleo duro da União Europeia e cumpriu com a meta a que se tinha comprometido para accionar o artigo 50.

O longo espetáculo do divórcio começa agora.

Na sala onde os Ministros do seu governo se reúnem, com a bandeira britânica como pano de fundo e sem a presença de algum elemento visual da União Europeia, a Primeira-Ministra, no seu estilo próprio de unhas pintadas de rosa, assina a carta que dá início ao processo de separação.

Do outro lado da decisão britânica, Donald Tusk, Presidente do Conselho Europeu. O ex-Primeiro-Ministro da Polónia é interpelado pelo representante do governo britânico junto das instituições europeias e, com cara de poucos amigos, sabe que ficará para a história da UE como o primeiro a ser notificado da intenção de um Estado-Membro abandonar a União. Ao contrário de Theresa May, Tusk apresenta-se de gravata preta, numa posição de descontentamento que contrasta com a posição de força do embaixador britânico.

Pelo facto do Reino Unido ser um sistema parlamentar, a carta é ainda apresentada junto da Câmara dos Comuns, a mesma câmara que confirmou a decisão do referendo. O mote fundamental da carta, que será repetido até ao final do processo de negociação – e que nos trará uma enorme sensação de tédio – é o de que o Reino Unido sai da União Europeia, mas não da Europa.

Esta clarificação que May procura fazer é o apelo a que as negociações sejam ponderadas e que o Reino Unido não seja visto como o inimigo do projeto de integração europeia. Mais, acrescenta que o Reino Unido será o principal aliado da UE e promotor do projeto de integração europeia – mas de fora.

A postura de Estado que procura a sua soberania de forma integral, mas que ainda assim partilha dos valores europeus como nenhum outro, é repetido na exposição da Primeira-Ministra na Câmara dos Comuns.

A carta inclui os pontos mais relevantes para a negociação, desde a necessidade de cooperação ao respeito pelos cidadãos europeus, passando por questões securitárias até aos aspectos mais técnicos nas negociações. Ainda assim, é o último ponto, de que o Reino Unido tem de se unir com a UE na defesa dos valores de democracia liberal europeia que gera maior contestação na Câmara dos Comuns e faz com que a Primeira-Ministra pause a sua leitura e esboce um sorriso nervoso.

O processo de negociações, que será longo, entediante e com uma enorme cobertura mediática – que irá tornar políticos assuntos que são na sua essência técnicos – conta com a participação de Michel Barnier na defesa dos interesses europeus. Importa salientar Barnier pela sua personalidade e génio particular.

Enquanto estamos na fase de sorrisos amarelos, lamentando a saída do Reino Unido, mas considerando inevitável, o negociador francês fará tudo para que os interesses da União sejam respeitados. O potencial candidato a ocupar o lugar que agora pertence a Juncker, é o primeiro a agitar as águas ao sugerir que o processo negocial seja realizado em francês, na sua língua materna.

São estas posições, as mensagens que são apresentadas, mas não são ditas, que irão acrescentar interesse ao processo de negociação e determinar o seu resultado.

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