Encruzilhada

Na encruzilhada, parei. Esperei. Sentei-me no chão de terra. Estava cega por não saber para onde olhar, não queria escolher um caminho, queria seguir em frente. Ignorante que, para seguir em frente, por vezes temos de mudar e de nos desviar do caminho, temos que tomar decisões para sermos felizes. Com sorte, para sermos felizes.

Fiquei sentada alguns dias, algumas semanas, talvez até alguns anos. Não sei quanto tempo passou. Uns minutos. Sentada em cima da indecisão, estagnada como a água onde nasce o mosquito da dengue. E outros males. Muitos males nascem no estanque. Na minha mente de insegurança só consigo contar os bens que nascem da falta de mudança.

Ele apareceu, fiel ao mito. Chegou do nada, sem fumos nem cerimónias de chamamento. Só estava lá, como uma das árvores. Tinha cara de anjo. Poderia tê-lo confundido com um ser de bondade, se não fossem os pés de cabra e cornos escondidos entre os caracóis avelã. Observei-o sem espanto. Sorriu-me e senti toda a tentação de simplesmente desaparecer.

“O que desejas?”

Pensei que tudo o que desejava era ficar ali sentada e sossegada.

“Não foi isso que quis perguntar” leu-me o pensamento. “Qual é o teu maior desejo, aquele pelo qual trocarias a tua alma?”

O demónio da encruzilhada era um demónio de pactos. Sempre pensei que fosse uma expressão, que estar numa encruzilhada de vida fosse tão terrível como estar com um demónio. Ou que aparecesse um demónio e um anjo para me ajudarem a escolher, numa situação complicada. Mas ali… Ali, aquele demónio só queria a minha alma.

“Estou bem assim, sentada. Posso ficar aqui para sempre, como as árvores.”

“Porque é que ficarias aqui, se podes conquistar o mundo?”

“Não me consigo decidir pelo caminho.”

“Eu dou-te a melhor escolha, aquela que mais proveito te trará.”

Olhei-o bem nos olhos cor de fogo, e pensei bem no meu maior desejo. Senti o sangue a ferver, a alma a pedir-me que aceitasse. Ouvia a tentação, ouvia-me a ceder. Os olhos dele brilharam, conseguia ver as labaredas do inferno. Depois, olhei através dele. Ia ignorá-lo. Por mais que me fervesse o sangue e me tremesse a pele, não podia.

De repente, ele já não estava lá. Como se nunca tivesse estado. Eu continuava sentada, perdida no meu caminho. Com alma, confusa, imperfeita. Sem conhecimento do futuro, sem quaisquer poderes. Com todo o peso da vida nos ombros, com toda a tristeza da indecisão sentada em cima de mim, agarrada a mim, a empurrar-me para o chão.

Não sei quanto tempo permaneci lá sentada. Talvez anos. Talvez cem anos. Depois, levantei-me e escolhi.

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