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O milagre das rosas e a teoria do ketchup

O Orçamento de Estado para 2015 foi aprovado pelos deputados da maioria na Assembleia da República. Não há novidades em relação aos outros orçamentos propostos por este governo, nos últimos três anos, e aprovados pelos mesmos deputados. A receita é mesma: sobem os impostos e cortam nas prestações sociais. Nada escapa à fúria fiscal. Desta vez, raparam o fundo ao tacho: foram aos combustíveis, ao tabaco e às cervejas – tudo com parcimónia, porque é ano de eleições. Quanto aos cortes, não se comediram tanto e sempre sobre os suspeitos do costume: foram ao rendimento social de inserção, ao complemento para idosos, às prestações aos desempregados e aos apoios ao emprego. Pelo meio, o governo manteve a sobretaxa sobre o IRS – essa aberração fiscal -, e retira mais de setecentos milhões de euros às despesas com a Educação. Resumindo: quanto mais pobres estivermos, mais próximos estaremos da salvação.

No entanto, o governo não se ficou por aqui. Quis mostrar com este Orçamento que a “salvação” está ao dobrar da esquina ou, em linguagem mais directa, ao dobrar das próximas eleições. Para acertar os números, atirou o crescimento económico para 1,5%, faz baixar significativamente o desemprego e subir até ao limite as receitas fiscais. Meia dezena de instituições, nacionais e estrangeiras, que não têm nos seus pergaminhos fazer oposição ao governo, ao tomarem conhecimento da proposta de Orçamento, alertaram para este delírio. Contudo, o governo não se deu por achado e fundamentou as suas previsões, através de dois dos seus ministros, associando a nossa melhor tradição milagreira, que já vem desde D. Fuas Roupinho, cujo cavalo estacou à beira de uma falésia, por ordem de uma Nossa Senhora, poupando a vida ao cavaleiro, com a “teoria do ketchup”, cujas raízes populares são sobejamente conhecidas, quer de cozinheiros, quer de comensais utilizadores desta pasta atomatada.

Os fundamentos milagreiros ficaram a cargo da senhora ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. Em Oliveira de Azeméis, em discurso aos crentes, militantes do PSD, disse: “As nossas previsões não são optimistas demais. Acreditamos que podemos ter surpresas positivas ao longo do ano de 2015”. Foi uma declaração de fé, já que não adiantou uma única palavra que sustentasse a sua crença. Coube ao senhor ministro da Economia, Pires de Lima, no Parlamento, esclarecer a fé da sua colega de governo. Disse o senhor ministro Pires de Lima que o investimento, indispensável ao cumprimento das previsões do governo, “ é como o ketchup, aperta-se e não sai nada, aperta-se e não sai nada e de repente sai tudo num golpe”. Em 2015, os portugueses ficam, assim, entregues a crenças milagreiras. Se não acontecer um milagre, ao menos que salte a tampa ao frasco de ketchup. Em suma: estamos todos tramados!

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Tomás Vasques
Advogado de profissão, não se deixou enclausurar em códigos e barras. Arrumado na prateleira da esquerda pela natureza das coisas, desenvolveu na juventude – ainda as mil águas de Abril não tinham chegado – gostos exóticos, onde se incluíam chineses, albaneses e charros alimados. Navegou por vários territórios: da pintura à América Latina, da escrita à actividade política. Gosta de rir, de cozinhar, de Roberto Bolaño, de honestidade, cerveja, conquilhas e peixe fresco. Irrita-se com a intolerância, o autoritarismo e vendedores de banha da cobra. É agnóstico. Apesar da idade, ainda não perdeu o medo do escuro, do sobrenatural e das ditaduras.

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