Falávamos ultimamente, como nunca falámos enquanto aluna e professora. Ansiavas que alguém guardasse a tua poesia. Tornavas isso público. Espero que agora alguém a guarde. Adeus.
Cecília Barreira faleceu dia 12/9/2024, investigadora, poetisa, professora universitária. Ativa nas redes sociais, colmatava duas lacunas com essa presença: a da divulgação da sua poesia e a sua solidão. Os seus textos adaptaram-se na perfeição a esta forma de comunicação. As últimas partilhas pareciam transmitir um apocalipse pessoal, mas era difícil de compreender, pois ela falava muitas vezes por parábolas. Há cerca de um mês as suas palavras pararam. Dei pela sua falta, mas como sempre, a azáfama do quotidiano levou a melhor. Seja como for, eu não deveria ter recebido resposta à mensagem que me faltou enviar. Sabia que tinha tido problemas de saúde, desconhecia a sua situação atual, nunca há coragem para essa pergunta. E afinal foi outra a mão que a levou.
Uma das suas áreas de interesse no âmbito académico era os estudos de género, sobretudo estudos sobre as mulheres, tendo produzido ensaios dentro deste tema. A sua obra incidia também sobre os periódicos do século XIX e XX e o pensamento de autores portugueses contemporâneos. Na Universidade foi minha professora de Cultura Portuguesa.
A sua obra de ficção, que incide sobretudo na poesia, está espalhada por diversas editoras, normalmente independentes, às vezes não muito afamadas. O resultado de uma poesia que se afastava do aceitável, nem sempre simpática, mas na qual insistia porque tinha a consciência do que fazia e que o fazia bem. Muitas vezes é o destino do poeta/ escritor que não desiste, apesar de falhar continuamente o reconhecimento devido.
Lembro-me que quando fui sua aluna não compreendia a sua poesia. Foi com o tempo que compreendi a sua dimensão, capacidade que me faltou na juventude.
Cecília Barreira encetou diversas diligências para entregar o seu espólio a uma qualquer entidade competente. Imagino que existam centenas de inéditos, dada a quantidade de texto que ela produzia nas redes sociais. Estava, possivelmente, consciente do fim do seu tempo. Espero que ainda se vá a tempo de haver uma resposta positiva.
Nota: texto escrito segundo a norma do Novo Acordo Ortográfico.
