A Ansiedade e o Cemitério

O meu livro de autoajuda preferido chama-se “Vai Tudo Correr Mal – O Primeiro (e provavelmente o último) Livro de Antiajuda” escrito por Joana Marques, a criadora da rubrica diária da Rádio Renascença, Extremamente Desagradável.

Não estarão ao mesmo nível, de facto, mas há outro livro que me ajudou imenso: “A Loja Mágica” de James Doty.

Conhecem os dois? Acham que não há relação? Porquê? Porque a Joana Marques ironiza com todas as estratégias de autoajuda e o Dr. Doty mostra-nos as vantagens da meditação? São livros incompatíveis?

NÃO.

A meditação é como a comédia: tens de entender para fazer efeito.

A comédia, tal como a meditação, não é para todos. Nem todas as pessoas percebem quando rio às gargalhadas quando me perguntam se vejo o fumo verde de noite, por morar em frente ao maior cemitério da cidade. Por outro lado, acreditam que eu estou a gozar, quando digo que faço meditação.

“És muito ansiosa, não consegues meditar”, they say. “Tu nem acreditas nessas coisas”.

Em primeiro lugar, meditar não é nada espirituoso. Pelo contrário: é físico, é o treino do cérebro. Não estou muito avançada na coisa e ainda preciso de guias. Temo que não teria conseguido começar a meditar numa era sem aplicações. É treinar a mente para não pensar nas compras do supermercado, no que fazer para jantar, em como terminar aquele trabalho, nas doenças dos pais, nas meias e cuecas a comprar para os filhos, etc. É limpar a mente para organizar os pensamentos, as prioridades os objetivos. Isto é uma forma muito mínima de explicar a meditação. Acreditem: é ainda mais do que isto. E é difícil.

Aprendi que nos funerais não se diz nada. Nem se pergunta se está tudo bem — coisa típica portuguesa. Prefiro funerais em pandemia: caixão fechado, pouca gente, missa rápida. Não gosto das beatas que me perguntam ‘mas quem é que morreu, menina? O teu pai ou o teu avô?’. Mas ainda bem que perguntam. É que a outra hipótese seria entrar pela igreja, espreitar para dentro do caixão e gritar ‘oh Sequeira, foi o velhote!’. O Sequeira estava — óbvio — no fundo da igreja com um balde de flores secas a falar com o meu pai.

Para se manterem saudáveis, há quem crie bolhas de proteção. Não misturam assuntos. Os filhos nunca sabem que os pais estão tristes e os pais nunca sabem que o resto do mundo está triste. Acho bem. É válido. Se a receita resulta, não se mexe.

Eu choro com o telejornal, com o Titanic e com o MasterChef. Não há bolhas comigo.

Não se lê muita comédia em Portugal. Bem, em boa verdade, os números mostram que em Portugal pouco se lê no geral. Percebe-se. Imagine-se o seguinte cenário: nós, na sala de espera do hospital de dia, a rir para um livro aberto nas nossas mãos. Não pode ser, o que vão pensar de nós? Que estamos no piso errado.

Tens sempre Ben-u-ron em casa, certo? Para o caso de uma emergência. Seja qual for a tua fórmula mágica, não te esqueças dela. Nunca.

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