Desmistificar a depressão é complicado, porque é uma doença daquelas que não se vê.
A depressão é uma doença como outra qualquer e que pode acontecer a qualquer um, em qualquer fase da vida. Há, inclusivamente, pessoas que à primeira vista não têm razão alguma para ter uma depressão, mas a verdade é que acontece e não é uma coisa que surja espontaneamente, vai entrando dentro de nós de uma maneira subtil (a menos que surja de um acontecimento traumático como a perda de alguém que se ama, por exemplo), e vai-se instalando e ficando cada vez mais à vontade dentro de nós.
O mais assustador é que percebemos que não estamos bem, mas não conseguimos definir esse “não estar bem”.
E, ao contrário de uma perna partida ou de uma doença física, a depressão não se vê. Vai-se vendo. Não dói, vai doendo. Não fragiliza, vai fragilizando.
Não conseguimos definir, muitas das vezes, o porquê.
Porque um porquê de uma depressão pode ser, e muitas vezes é, um acumular de pequenos nadas (como eu lhes chamo).
Muitos pequenos nadas, como frustrações, esforços superiores ao que conseguimos fazer, contrariedades, pequenos abusos ou maus tratos (mesmo que sejam imperceptíveis para a maioria das pessoas) podem condicionar a nossa vida e o nosso pensamento.
A fragilidade psicológica instala-se e, se não for combatida, toma conta de nós.
Passamos a não pensar racionalmente e começamos a pensar emocionalmente, baseados em pensamentos negativos em toda a sua dimensão, quer sejam realidade ou apenas a maneira como estamos a interpretar as coisas no momento (diga-se que a depressão não ajuda ninguém a interpretar nada de uma forma positiva, tirando, eventualmente, a morte, nos casos mais graves).
Os pensamentos mais parvos e as conclusões que retiramos das coisas, que se passam à nossa volta, passam a contaminar tudo e a dar-nos uma perspectiva muito pouco abonatória a nosso favor: perdemos o amor próprio (se alguma vez o tivemos) e empurra a nossa auto-estima para o fundo do poço lamacento.
É complicado ganhar discernimento para querer sair desta espiral de “coisas” más…
Até porque não perdemos a noção da realidade, passamos a ter duas realidades: a suposta verdadeira e aquela que nos pede para que acreditemos nela.
E isto é uma doença. Tão doença como o raio do COVID-19. A grande diferença é que para o COVID-19 ainda não há tratamento, mas para a depressão há.
Há cura. Pode não ser um processo fácil, mas cura-se. Com ajuda profissional, com ajuda de fármacos e, sobretudo, com vontade do próprio.
O problema é o preconceito que ainda existe à volta de doenças do foro psicológico…
As pessoas ainda não evoluíram o suficiente para perceber que a nossa mente é tão ou mesmo mais importante que o nosso corpo físico e que uma pessoa com depressão não é maluca, apenas está doente.
Na perspectiva de quem já passou por uma existem duas coisas proibidas de fazer a alguém com depressão: ser condescendente e desvalorizar ou ignorar que existe um problema a ser resolvido.
Uma pessoa com depressão não precisa de ouvir coisa do género: “não tens razões para estar triste” ou “vá lá, anima-te, não penses nisso”.
Nada disso. A pessoa tem de manifestar o que sente e ser apoiada sem condescendência. E não tirar nunca a razão à pessoa, porque todos temos as nossas razões, os nossos medos, as nossas fragilidades. E nós somos todos diferentes. Todos. Encaramos o mundo, os sentimentos, as emoções, a vida e até a mesma experiência de uma maneira diferente. Somos todos únicos, por muito que sejamos iguais. E a nossa componente psicológica é muito mais vasta e desconhecida do que a nossa componente física.
A tristeza, como qualquer outra emoção característica da depressão, é para ser sentida e não abafada. Temos tempos diferentes para aceitar situações, para fazermos luto de qualquer perda ou mudança na nossa vida, temos sentires diferentes.
Temos de nos permitir a sentir, a expressar e a ser tratados quando não estamos bem.
Temos de nos permitir a ter esperança e a ser respeitados como portadores de uma outra doença qualquer.