Uns dias de férias que acabaram da melhor forma: com vontade de ficar.
Depois de termos sentido alguma hostilidade por terras alentejanas, pouco hospitaleiras agora para quem se desloca de autocaravana, optámos por descer. Descer até encontrar um sítio onde nos sentíssemos bem: fomos encontrar terno acolhimento em Salema, num parque, no meio da Natureza, onde não falta espaço. Na recepção, no momento do check-in, foi-nos perguntado:
– Quantas noites vão ficar?
– Uma, para já.
Afinal, andar com a casa às costas, ou melhor dizendo, andarmos nós às costas da casa, tem essa vantagem: ficar onde se está bem. Andar de autocaravana permite não fazer grande compromisso ou promessa de vontade. No dia seguinte logo se veria.
O que começou por ser uma noite, passou para quatro e nem nos apercebemos. Porquê? Porque nos sentimos bem. Para isso podem ter concorrido vários factores: trata-se de um parque com cerca de quarenta anos, beneficiando de reestruturações significativas nos últimos três anos, sob a batuta dos actuais proprietários, que assenta numa preocupação ecológica notória e, aparentemente, em expansão. Um parque de cerca de três hectares que, em situação normal, terá capacidade para cerca de setecentas pessoas, números agora cortados pelas condicionantes higieno-sanitárias.
Parece que quando lá estivemos estariam cerca de 130 pessoas, sendo que, com o aproximar do fim de semana, essas referências terão aumentado, como o movimento que se via junto da recepção deixava adivinhar, mas dada a dimensão e disposição do parque, esse número soava-nos perfeitamente abstracto: cruzávamo-nos com algumas pessoas, umas até se tornaram vizinhos, e nada mais. Vim convencida de que, mesmo com a lotação máxima, se pode andar pelo Parque sem a esquadria sufocante de alguns outros parques. Calma e sossego até ao fim, na dilatada divisão do espaço com algumas pessoas e cães. Sim, este parque admite cães – como não gostar do parque, sobretudo nesta época estival tão propícia ao abandono?
E, se não for já um grande cartão de visita, acrescente-se que não tem cobertura de rede senão na zona da recepção e restaurante, que se localizam à entrada do parque. Em vez disso, há placas de madeira a lembrar que crianças felizes não precisam de wi-fi, precisam antes de espaço e condições para dar azo à exploração e espírito de descoberta que lhes deve animar o crescimento. Estou conquistada, sem mais. Apesar de as condições mais prosaicas e diligentes a que se reconhece importância estarem garantidas – espaço, sombras, balneários limpos e relimpos – as que pesam no coração são outras. Sobretudo a mensagem que pretendem passar, o propósito de criar um espaço onde se possa estar no meio da natureza (ainda que com todos os confortos) e que nos deixemos emergir na experiência. Não é bem vinda poluição ambiental, nem poluição mental. Podemos optar pelos nossos meios, como tendas ou caravanas, ou carros adaptados, ou podemos ficar nos alojamentos que o parque dispõe, muitos deles decalcados de histórias de índios e cowboys.
Bónus: é possível ir a pé para a praia. Cerca de um quilómetro, disseram-nos. Confiámos e repetimos. Não há um passeio para o efeito, mas com as devidas cautelas pode ir-se a pé, pela estrada, até à praia de Salema. Não se tratando de peregrinos da esteva, é pegar no veículo eleito e ir até às praias das redondezas, que podem, como manda a estatística, estar batidas a vento, mas que continuam lindas. Cabanas Velhas, Raposeira, até à confirmação de que Lagos e as suas enseadas continuam a valer todas as incursões, ou Ingrina, Burgau… Enquanto houver vontade de andar, as praias sucedem-se em retratos.
O site do Salema Eco Camp diz “ Escolher-nos não é apenas escolher um sítio para dormir. É escolher um modo de vida” e parece que é verdade, permitindo que, de alguma forma, nos encontremos entre iguais.
Recordo com carinho uma família que foi nossa vizinha durante esses dias doces e de passada lenta: uma carrinha verde de matrícula holandesa, uma mãe alemã, um pai dinamarquês e duas crianças de estilo nórdico, de nomes orgulhosamente pronunciados pelo pai, Uma e Mali, esta última, que poderia ter sido um rapaz segundo as expectativas ecográficas, um bebé de quatro meses, a quem a mãe queria proporcionar o privilégio de estar no meio da Natureza desde tenra idade, reconhecendo os benefícios que daí colheria; um casal que repete a visita há três anos, num jipe munido de painel solar e duas arcas frigoríficas (!), arquitectos instantâneos de um estaminé como se de um restaurante se tratasse, chefe de cozinha incluído, largando aromas pelo ar que despertam as papilas gustativas até dos mais prevenidos; de um alto e afável casal holandês, que faz caravanismo há mais de trinta anos, com uma caravana polida e brilhante que vimos, incrédulos, andar sozinha sob as ordens ocultas de um telecomando escondido nas mãos do proprietário orgulhoso; um rapaz que se fez acompanhar da sua guitarra de nome Paloma, que, para contentamento da nórdica vizinhança, embalava os regressos da praia e alguns jantares sob as estrelas. Todos sem rede, ninguém infeliz.
Vimos coisas bonitas.