Queria voltar para casa. Naquele tempo em que tudo era descomplicado. Onde me aguardavam, no meio de dúvidas e rancores, o sabor agridoce do que ainda estava por vir. Onde ainda me restava tempo e o tempo me sobrava para fazer o que eu quisesse.
Agora a minha casa é outra e o espaço físico transformou-se em conta e medida como eu. Restam-me as memórias de outras casas, de outros espaços físicos, que de certa forma também foram meus. As casas pelas quais passei, enumeram as épocas e facetas de quem já fui, de épocas que já vivi.
Nas casas ficaram lições, memórias, pessoas, muitas delas que não voltarei a ver.
Talvez por isso consiga conceber a importância da casa, deste espaço sagrado onde vivo, onde limpo a alma de desafios mais dolorosos quando nela chego e lhes fecho a porta. Nela só entra quem eu quero e quem eu acho digno de receber. Manias de prepotência, talvez. Mas são manias minhas, que fazem de mim quem sou.
Às vezes, tenho esta necessidade de sair dela por uns tempos. Da casa, da cidade. Porque a cidade onde moro também é refúgio, lugar em forma de santuário. Busco nas partidas a minha própria chegada, reencontro com quem eu sou e que nunca poderia saber se não percorresse outros espaços.
Contudo, nas partidas há sempre a necessidade de regressos. Dá-se devido valor e importância ao espaço que é nosso. Entende-se, de verdade, quem somos naquele lugar e quem seremos quando voltarmos, porque regressaremos diferentes.
Se não regressarmos em espaço, tempo e medida, a agitação da viagem bloqueia-nos em devaneios, percebemos que quem somos requer raízes, que é necessário saber e ter para onde voltar. A alma anda solta, mas em devaneio. É preciso que regresse para que se possa partir outra vez.
Também houve saídas forçadas. Tive de deixar por tempos o espaço que era meu. Da distância de uma das casas que já fora minha, houve a urgência de voltar. Para descobrir que já não era a mesma casa, que as pessoas que faziam parte dela já não existiam. Para aprender que uma casa se faz com as pessoas que moram nela.
Nesse tempo senti-me doente. Perdi-me. Passou muito tempo e engrandeceu em meses que não eram reais. Sentia saudades da casa que agora era fantasma e da que era verdadeiramente minha.
No regresso, fechei a minha porta. Não reconhecia a cidade, o espaço, o abrigo. Aos poucos, voltei a ser eu e a casa encheu-se de alma também. Agora a minha vida é feita de chegadas e partidas. De longos períodos de exílio ou de vivências que me permitem ser e fazer o que tenho de fazer por aqui. Na certeza infinita de que a minha casa sou eu.