Gordos esses Nojentos…

Confesso que ando um pouco cansado emocionalmente com esta conversa de gordos e magros, deficitários de carne e excedentários de carne. Acusações do que se é e não é! De um lado, os porcos, nojentos, baleias, bidons, incapazes, insatisfeitos, solitários, gordurosos, infelizes, frustrados, inacessíveis para o amor (a não ser que tenham muito dinheiro), gente que nem profissionalmente se pode dignar (diga-se… que ainda se dignam e com louvor!) a lutar por um lugar juntamente com o vistoso(o) bonitão, corpo escultural… porque é uma luta invariavelmente injusta.

Ah! Esses gordos que nada mais são do que uma nova vaga de escravizados pela comida, consumismo, gula. Parecem um conjunto de vara de porcos onde o que merecem não é mais do que a própria comida que lhes dão. Ou seja, comem de tudo! Ah! Malditos gordos, que não podem andar 20 metros que já suam por todos os lados.

Que nojo disforme, que forma horrível de caracterizar o verdadeiro Deus humano, que esse sim, saído das dietas, dos nutricionistas, das belezas amaricadas em pinturas e botox, dos ginásios, dos joggings, das kisombadas, das danças, joviais, plenos de força e beleza na sua forma física, esses sim são os deuses por quem o merecimento da felicidade coloca invariavelmente ao ostracismo essa rede de “Não-Humanos”, de deuses falsificados, cheios, gordurosos, gulosos, nojentos e incapacitados que proliferam pelas ruas, trabalhos, relações de uns e outros. Ah! Maldita corja de gordurosos!

Vivemos num canto de superioridade e de moralidade universal que nos capacita (nós bem-ditos semi-deuses da espada da justiça) a ditar as regras do bom senso, da amabilidade, solidariedade, sensibilidade, ditar relações, o que é bom, o que é mau, o que interessa e o que não interessa. Quem serve para um namoro, para uma relação, quem serve para ocupar um cargo. Quem serve para amar, quem não é digno de não servir como ser amado. Somos incrivelmente estúpidos. E deduzimos que essa estupidez tão variável entre uns e outros, seja na verdade uma poção mágica de inteligência!

Que semi-deuses e deusas que tomam como válido a crença de que o sacana do gordo ou da gorda nada vale. Somos os únicos animais na terra a matar por maldade. Somos os únicos animais na terra a praticar bullying, porque nos dá gozo ver lágrimas e sofrimento estampado no outro. Somos os únicos animais no mundo que se acham deuses sem nunca o terem sido.

O Gordo, essa detestável figura que a única coisa que serve é para enriquecer a sua barriga e das grandes superfícies comerciais serve o consolo, de nós, grandes humanitários de causas diversas, termos ainda no esquecimento a própria existência de algo que para nós não é mais do que a insignificância da própria inexistência. Passa-nos ao lado, numa discoteca, num bar, num trabalho, numa relação.

Contudo, enche-nos de nojeira ao vê-lo passar na rua. Tocamos uns nos outros, como se de uma gaja boa se tratasse no sentido inverso. Comentamos, com as tiradas de pseudo-deuses da justiça, justificando em pré-julgamentos a sua própria obesidade. “Give me one high five!” gritamos em uníssono pela beleza, pelo poder, pelo simbolismo da magreza e altivez que trazemos em nós.

Eu sou bom! Sou um máximo! Eu fodo, eu beijo, eu conquisto, eu tenho um belo trabalho, tenho pinta… coitado daquele, deve passar dias em casa a bater punhetas de frustração. Come, peida-se, bate umas e acorda no outro dia para a mesma missa de sempre. Coitado…

Não existe um coitado como forma de “I want to help you” existe uma conotação ao coitado, desgraçado que atinge o pico da crença em mim como arte, do que sou, tenho e desejo e aponta naturalmente para a desgraça do outro com o olhar de sobeja e anotação cruel de “Fuck You“.

Mas… glória aos gordinhos, aos gordos, aos apelidados de nojentos, aos denominados de incapazes, que caminham na lama de cabeça levantada, que não vão ao ginásio tratar do corpo, porque algures em algum trabalho lhes foi negada a entrada por não terem perfil, que não podem suportar pagamentos em ginásios ou institutos de beleza.

Glória aos gordos que entram para as entrevistas sabendo que a mamamulhada, ou o betinho de boas famílias com cunha já assente, pode ficar com o emprego da vida e ainda assim se mantém corajoso e firme na sua escolha.

Glória aos gordinhos que no campo do sofrimento são dignos de louvor por passarem por bullyings de família, amigos, conhecidos, comeram o pão que o diabo amassou e ainda assim estarem sempre prontos para um sorriso.

Glória à mãe gorda que tem de andar a correr a tratar dos filhos em trabalhos desgastantes e humilhantes, mas que de forma honrada o faz e tudo, porque alguma vaca decidiu que um broche ao patrão seria o melhor caminho para chegar a mais umas notas de 50 euros e tirar do caminho umas possíveis adversárias no cargo a ocupar.

Glória ao sofrimento, ao sorriso aberto perante as adversidades, à luta constante pelo merecimento, não pela tentativa de ser igualitário, sim, pela necessidade máxima de saber ser humano.

Maldito projeto humano que parecia tão universalmente solidário e que se transformou num projeto de consciências egoístas, mesquinhas, individualizadas, em guerrilhas de mais barriga e menos barriga.

Maldito projeto humano que projetou sociedades no limbo a que as mesmas se deleitam luxuriosamente em constantes conversas e debates ainda… de quem vale e não vale. De quem pode e não pode, de quem faz e não faz.

Sempre acreditei no projeto interior, sempre acreditei que esse desígnio de projeto foi estabelecido pelo chefão lá de cima. Pelo melhoramento, pela aprendizagem, sabedoria, pela globalização de afetos necessários, pela solidariedade, pela complacência, pela intensidade de sorrisos que dás e forma como ajudas e te dás a quem te chora ao ouvido. Sempre acreditei num projeto humano onde o estabelecimento de uma unidade universal fosse realmente credível e justo para todos.

Ninguém vai parar ao inferno… “The Hell is on Earth“. E aqui cabe a quem defende, a quem se compadece ser o anjo, ser o amigo, ser o companheiro, ser a palavra amiga de quem mais necessita.

Os gordos não são coitados! Os nojentos não são os gordos…

Na verdade, tu que possas ter estado a ler isto e de certa forma tivesses batido palmas interiores ao que disse dos gordos… atenta…

Quem precisa de ajuda és tu… não eles.

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