A primeira cerimónia de óscares que acompanhei foi a de 1998 (premiando os filmes estreados em 1997). Não a vi em directo, mas sim o resumo que passou no dia seguinte. Na década que se seguiu, passei noites em claro, entre apostas comigo mesmo, torcendo pelos melhores filmes contra os mais populares, os politicamente mais simpáticos ou os artistas da moda. Umas vezes perdi; outras ganhei. Mas durante aqueles anos, apesar de o Cinema já então se encontrar em perda acentuada (em qualidade e popularidade), sempre assisti à cerimónia com enorme entusiasmo.
Sobre esse ano de 1997 a cerimónia foi bonita (a homenagem aos premiados ao longo da história é um regalo para amantes de cinema, oferecendo-nos uma última oportunidade para ver em palco os derradeiros sobreviventes da idade de ouro), tal como a qualidade dos nomeados (na altura eram apenas cinco). Com um leque que incluía L.A. Confidencial, O Bom Rebelde ou Melhor é Impossível, conseguiram despejar os óscares no pior filme entre os cinco nomeados: Titanic! (no ano seguinte os membros da Academia alcançaram uma proeza ainda maior, ao entregarem a estatueta principal a A Paixão de Shakespeare, quando estavam nomeados O Resgate do Soldado Ryan e A Vida é Bela!).
Voltando a 1997, um filme que ficou mais ou menos eclipsado, concedendo-lhe a Academia a esmola de “estar nomeado já é uma vitória” foi Ou Tudo ou Nada.
Nesta comédia britânica de Peter Cattaneo, passada na comunidade siderúrgica de Sheffield, seis homens desempregados, feios e fisicamente desinteressantes (por enquanto ainda se pode escrever), entre outros problemas como depressões, casamentos falhados, falta de autoestima ou serem cuidadores, resolvem montar um espectáculo de striptease para ganhar dinheiro, depois de verem o entusiasmo das mulheres da cidade por um show do género. Só que a proposta dos próprios trazia uma novidade: em palco, iriam até ao fim, propondo-se tirar tudo!
Começa então uma onda de entusiasmo e curiosidade – a identidade dos strippers era desconhecida na publicidade que se iniciara – em torno daquele espectáculo, chegando ao ponto de receberem o apoio das próprias mulheres para realizar o projecto!
Alguns actores já eram ou viriam a ser nomes seguros do cinema britânico, como Robert Carlyle, Tom Wilkinson (falecido no final de 2023), Mark Addy ou Lesley Sharp, e todos personificam na perfeição os peões de uma classe operária em decadência que, nada tendo a perder, resolvem apostar tudo para mudar as suas vidas.
Além de uma comédia brilhante e de um retrato social bem conseguido de um dos grandes desafios dos países ocidentais (a desindustrialização), o filme, contando com desempenhos fantásticos e uma produção bem agarrada por todos, do argumento ao realizador, mostra-nos como a união (entre todos e em torno de uma causa comum), nos pode levar a resgatar o melhor de nós.
Entre inúmeros prémios nos diversos festivais, a obra ganhou três BAFTAS (filme, actor, actor secundário mais o prémio adicional da escolha do público) e ainda levou um óscar, para a banda sonora de comédia. Admito que pouco mais haveria para sonhar, dado o vencedor anunciado à partida dos prémios da Academia, mas Ou Tudo ou Nada permanece hoje como um trabalho notável de como fazer bom cinema com poucos meios e conseguir assim competir no campeonato dos crescidos, por mais enviesados que estejam os critérios que hoje servem de base à premiação dos filmes.
Hoje, vinte e sete anos depois, vale a pena revisitar Ou Tudo ou Nada; pelos momentos hilariantes e pela honestidade com que, com tão pouco se consegue chegar tão longe.