Uma linha sem folhas

Antes de ontem entrei pela primeira vez na escola. Não sei quem ia mais nervosa, eu ou aqueles que me rodeavam.

Houve direito a fotografia diretamente para o álbum preservado desde bebé e roupa nova para estrear. A mala e a respetiva lancheira a condizer, das bonecas de eleição, com rodinhas porque ainda se pensava nas costas das crianças e o peso que estas deveriam suportar.

Na altura, ainda não estava na moda andar-se de lancheira com o farnel, ainda não era in. Contudo, nós, crianças inocentes e afáveis, levávamos aquilo que todos os dias era amor aos nossos olhos: o lanche da manhã. Das 10h.

Éramos felizes. Cada um à sua maneira. Não se falava muito de bullying, claro que sempre houve o último a ser escolhido e o rejeitado das festas de aniversário. No entanto, era algo naturalmente esquecido pelas nossas mentes sonhadoras.

Sempre houve os bons, os muito bons e depois generalizava-se para os suficientes. Sempre existiu as bolinhas verdes, amarelas e, na pior das hipóteses, as pretas com direito a recadinho.

Porém, acabou-se a papa doce e, daí para a frente, é que se iria ver quem realmente era bom. Quem absorvia mais nas aulas, quem era o mais atento e perspicaz.

Agora, sim, vais para a escola dos grandes, lá não vão ter metade da paciência e prepara-te que não é fácil. E lá fui eu. Não sei quem ia mais nervosa, eu ou aqueles que me rodeavam.

A princípio não foi fácil, o cadeado para o mais precioso que tínhamos connosco, as senhas, as passwords e tudo aquilo que incluía as grandes salas e pavilhões que outrora eram apenas quatro, quentinhas e acolhedoras.

Lembro-me como se fosse hoje, apesar de ter sido apenas ontem, do dia em que ainda com o 36 e com as minhas botas resistentes à chuva e ao frio, pisei uma funcionária. Pedi-lhe desculpa, já aflita, e ela, mesmo olhando-me nos olhos, ignorou-me.

Não estava de todo habituada, mas rapidamente percebi que estava a entrar na selva e seria salve-se quem puder.

O tempo foi passando e foram ficando inúmeros para trás. Uns, porque deixaram de gostar de escrever sobre linhas direitas, e outros, porque a vida assim o quis.

Veio um novo conceito à berra. Os de mérito, os melhores. Aqueles que de certo terão muito sucesso. Levam as bases e isso será meio caminho andado para caminharem para aquele que é um bom porto.

E assim, facilmente, a miúdos de 10 anos que ainda choram antes de ir dormir, porque têm medo dos monstros da noite, se apostava quantos dígitos teriam na conta bancaria.

O mérito levou muitos a ancorar, a saírem em portos de paragem proibida e poucos foram os que perceberam que a partir daquele momento em diante seriam um número. O famoso número de inscrição.

O relógio não parou e como temos de andar sempre pelo limbo sem cairmos. Avançamos e agora, sim, iríamos para a escola dos gigantes. As dimensões eram semelhantes à casa onde muitas borrachas outrora teriam sido destruídas pelo stress. No entanto, agora é que iam ser elas, diziam eles. Olhem pela janela e vejam, o vosso futuro pode estar tão perto ou tão longe, basta visualizarem.

E lá fui eu. Não sei quem ia mais nervoso, eu ou aqueles que me rodeavam.

Aqui já se falava mais de quando formos adultos, da faculdade, do curso, do futuro e do que realmente queremos. Não havia hipótese para existir um erro ou um deslize.

Uma má nota, comprometeria a média da disciplina, que teria influência na nota para ir a exame é mais tarde para ingressar na faculdade. Por meia décima se ganha e por meia décima se perde.

Aqui, senti de verdade que era o 555347, e foram tantas, mas tantas as vezes que o único número que me passava pela cabeça era erro 404.

Tínhamos de ser os melhores, para competirmos com os demais de Portugal, e destacarmo-nos. Para fazermos tudo à primeira porque não há tempo a perder. Não perder o fio à meada.

Nunca senti que perdi o fio, mas há alturas que já não sei coser. Então de que me vale tê-lo se não o uso?

Os meus relógios deixaram todos de funcionar e houve alturas que pensei que viver por debaixo da secretaria seria uma excelente hipótese para rentabilizar o tempo.

Entrei na faculdade, uffa. Longe de ser aquela que ambicionei nos anos em que gastei lápis e borrachas, é nunca recebi um patrocínio para as canetas da Bic vazias no estojo.

E lá fui eu. Não sei quem ia mais nervoso, eu ou aqueles que me rodeavam.

Aqui vais encontrar os amigos para a vida, serão os melhores anos da tua vida e vais ser tão feliz que nem te custará estudar. Mas atenção, que as pessoas não serão tão queridas e ao mínimo erro estarão a cobrar-te. Diziam eles.

No entanto, esperem lá, se alguém ainda estiver a ler isto, diga me se estou errada. Não é isso que andam a dizer-me desde do dia em que levei a roupa a estrear, a mala com rodinhas e os dois totós na cabeça?

Ser a melhor, para teres um futuro melhor, estudar, estudar, não fugir da risca. Ser gentil e terás um mundo de pessoas com um sorriso estridente à tua espera.

Aqui está onde queria chegar, mesmo tu não sendo a melhor, mas dando o teu melhor. Mesmo sendo gentil, e mais do que isso, tu própria, haverá sempre alguém que te deixará no silêncio da tua significância.

E, aí, irás perceber que a tua companhia é tão única e especial que poderá ser o suficiente para te divertires.

Hoje, já não desejo a melhor média, o mérito, a empresa de maior prestígio do mercado ou mesmo o melhor currículo.

Ambiciono ser sempre a menina, agora 39 e sapatos de pano, pés gelados e coração quente que o único pé que pisou foi o da funcionária a quem ainda hoje espera resposta.

A ela lhe dedico isto, por aquilo que me ensinou com o seu silêncio.

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