Desde a entrada da Troika no nosso País que, praticamente, todas as semanas ouvimos falar do Tribunal Constitucional e dos seus pareceres controversos. No entanto, para que serve o Tribunal Constitucional? É um “tacho”? É um mal necessário? Ou é outra coisa qualquer?
De forma resumida um Tribunal Constitucional é um órgão judiciário, ou não, cuja função é cuidar pela correcta interpretação da Constituição. Isto é, determinar se um determinado tema é, ou não constitucional. De acordo com o modelo de Hans Kelsen (1881-1973), o Tribunal deve actuar como um “legislador negativo”, não tendo o poder de criar leis, mas sim com o poder para retira-la do ordenamento jurídico e revogando a lei total, ou parcialmente. O Tribunal Constitucional em Portugal é criado em consequência da extinção do Conselho da Revolução pela Revisão Constitucional de 1983 e tem por função fiscalizar a constitucionalidade das leis e decretos-leis. Ao contrário dos outros tribunais, o Tribunal não julga casos concretos.
Como se processa a fiscalização? A fiscalização da constitucionalidade realiza-se por varias formas de processo, a fiscalização abstracta e a fiscalização concreta. Como o próprio nome indica, esta ocorre da aplicação da norma a um caso concreto. O Tribunal Constitucional, não fiscaliza as decisões dos demais tribunais, mas sim as normas que foram, ou deixaram de ser, aplicadas. Esta fiscalização abstracta divide-se em três formas: a preventiva, a sucessiva e a por omissão. A fiscalização preventiva destina-se a impedir a entrada em vigor de normas inconstitucionais, ou cuja constitucionalidade suscite dúvidas e só pode ser pedida pelo Presidente da República, pelo Representante da República nas Regiões Autónomas, pelo Primeiro-Ministro, ou por um quinto dos Deputados à Assembleia da República. No caso de o parecer ser no sentido da inconstitucionalidade das normas, o diploma deverá ser vetado, ou pelo Presidente da República, ou pelo Representante da República nas Regiões Autónomas e devolvido ao órgão que o aprovou.
A fiscalização sucessiva é exercida posterior à fiscalização das normas. Se as normas forem consideradas inconstitucionais, a decisão tem força obrigatória geral, o que significa que a norma é eliminada da ordem jurídica, não podendo mais ser aplicada, seja pelos tribunais, administração pública, ou particulares. Regra geral a declaração tem efeitos retroactivos até ao momento em que a norma tiver entrado em vigor. Existem ainda princípios, direitos e garantias que necessitam de medidas legislativas que os concretizem e tornem exequíveis. Se as medidas necessárias não forem aprovadas inviabilizando a exequibilidade das normas constitucionais, estamos perante um incumprimento da Constituição por omissão. Esta fiscalização pode ser pedida pelo Presidente da República, pelo Provedor de Justiça e, estando os direitos das Regiões Autónomas em causa, pelos Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. Verificando-se a inconstitucionalidade por omissão, o Tribunal Constitucional dará conhecimento dessa omissão ao órgão legislativo competente para aprovar as medidas necessárias. O tribunal não pode, por respeito ao princípio da separação de poderes, substituir-se como legislador e aprovar as medidas em falta.
Para além das fiscalizações de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional detém também outras competências relacionadas com o Presidente da República, os partidos políticos, com matérias eleitoral, referendos e com os titulares de cargos políticos.
Há quem ache que a existência de um Supremo Tribunal de Justiça e de um Tribunal Constitucional é demais. Que não se justifica a existência do Tribunal Constitucional e que a fusão dos dois Tribunais num Supremo Tribunal, que avalie tanto casos de Justiça como a constitucionalidade das normas, à semelhança do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América, é o melhor para o País. “Esse Supremo Tribunal teria, obviamente, uma secção Constitucional com forma diferente de recrutamento dos seus juízes, para obviar a casos similares aos que já várias vezes tivemos”, defendeu Noronha Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça à Rádio Renascença, em Outubro de 2011. “Qualquer questão de constitucionalidade seria previamente decidida na Secção Constitucional, antes do julgamento final da secção do Supremo ou da Relação competentes.”
Um dos muitos problemas do Tribunal Constitucional é o facto de os Juízes serem eleitos pelo Parlamento. Dos treze juízes que o compõem, dez são nomeados pelos partidos com assento na Assembleia e eleitos pelo Parlamento, com os restantes três a serem nomeados e eleitos pelos próprios juízes. Os políticos funcionam quase como mandatários da sociedade, porque são escolhidos, sendo abrangidos por um princípio comum a todos os estados democráticos surgidos depois do século XVIII, segundo o qual os titulares de cargos políticos não podem responder judicialmente. Enquanto, em teoria, os juízes devem estar isentos de parcialidade política, desde que o actual Governo tomou posse, que as medidas que são enviadas para o Tribunal Constitucional são declaradas inconstitucionais, seguindo a linha da Oposição. Cada vez mais a actuação do Tribunal Constitucional se assemelha à actuação do Supremo Tribunal Americano nos anos 1930 que “chumbava” sistematicamente as medidas do Presidente Roosevelt para animar a economia, inseridas no programa a que se chamou “New Deal”,após a Grande Depressão de 1929. Nessa altura, o Supremo Tribunal norte-americano considerava que as medidas de Roosevelt eram inaceitáveis porque ofendiam os princípios básicos da Constituição americana que garantiam a liberdade económica. Várias medidas que Roosevelt entendia serem fundamentais para a retoma económica americana após a Grande Depressão foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal norte-americano. Em Portugal estamos num impasse muito semelhante. É sabido que a nossa Constituição é fraquinha, por ser intrometida, estatizante e programática, mas a generalidade das normas que têm sido declaradas inconstitucionais, não o tem sido com base nessas normas rebarbativas, anacrónicas ou marxistas-leninistas, mas sim em princípios gerais comumente aceites no moderno direito público europeu como o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade ou o princípio da confiança.
Há, efectivamente, um problema humano, o chamado factor humano, nas decisões dos juízes constitucionais. Este problema prende-se com uma visão social transversal à generalidade das elites jurídicas deste país. Esta visão foi construída na universidade corporativa e assenta numa desconfiança atávica da liberdade, uma opção constante pela segurança e estabilidade, um desprezo pelos números e uma certa idealização ruralista da vida nacional. Sejam de esquerda ou direita, os juristas mais antigos em Portugal, desconfiam do mercado, apostolam o Estado, não acreditam na mudança, são conservadores. Acresce a isto, que os juízes constitucionais têm sentido directamente o efeito das políticas que têm sido chamados a decidir e humanamente não têm gostado.
É esta a imagem que subsiste do Tribunal Constitucional. Um crivo legal, controlado pelos “boys” dos partidos, que impedem as reformas e medidas necessárias de passar e fazer o País andar para a frente e ultrapassar a crise que vivemos.