Liberdade, democracia e respeito dos Direitos do Homem, tolerância e não discriminação, são só alguns valores que a União Europeia (UE) tem como base. São estes também os valores que se pedem aos países que querem entrar e que já pertencem a esta comunidade, sendo que o incumprimento destes pode conduzir à suspensão dos direitos de membro da União.
É certo que, quando um país entra na UE, vê-se condicionado pelas suas leis, objectivos e valores, mas até onde vai a liberdade e a soberania de um país e onde começa o poder desta instituição? O debate não é de hoje. Cada país quer o seu crescimento acima de tudo. Cada país tem os seus próprios valores, que são difíceis de alterar, apesar do esforço que fazem para haver uma convivência pacífica.
Apesar de haver mais de um exemplo, como é o recente caso da Inglaterra, quanto a questões de imigração, foquemos-nos no caso da Hungria, o primeiro país que saiu de forma pacífica do antigo bloco soviético. Assistiu a um rápido processo de democratização – eleições, nova Constituição –, caminhando, assim, para uma aproximação da Europa Ocidental, com o objectivo de entrar na União Europeia, o que de facto aconteceu em 2004. Esta entrada foi talvez um dos momentos mais altos da liberdade que um país pode ter (para além das eleições, quando podem escolher os seus governantes). Não foi só uma opção do governo, mas também da população, que escolheu, através de um referendo, se o país se juntaria, ou não a União Europeia. No entanto, a liberdade, pelos vistos, não durou muito tempo e, nos últimos anos, assistimos a várias controvérsias entre o governo da Hungria e o governo europeu.
Há quatro anos, houve muita discussão sobre uma nova lei que o governo de Viktor Orban queria introduzir e que estava relacionada com a liberdade de imprensa. Uma lei que queria fixar multas de até 750 mil euros aos jornalistas e/ou autores de notícias que não fossem “politicamente equilibradas”, que ofendessem a “dignidade humana”, “o interesse público”, ou a “ordem moral”. Quem iria regular este processo? Uma nova entidade reguladora, cujos membros iriam ser nomeados pelo Governo. No processo de regulamentação, os reguladores iam ter acesso às peças antes da sua publicação e os jornalistas poderiam ter que revelar as suas fontes, quando lhes fosse pedido.
Este acto não nos faz lembrar o famoso Lápis Azul, que controlava os meios de comunicação portugueses, há mais de meio século, no tempo de Oliveira de Salazar? Não era o princípio de liberdade individual e de liberdade de imprensa que se pediam aos países para poderem entrar na UE? A lei não foi aceite pacificamente. “A liberdade de imprensa na Hungria acabou”, dizia a primeira página do jornal Népszabadság, um dos maiores jornais de Budapeste. A Comissão Europeia, mas também alguns países como a Alemanha, ou o Luxemburgo, reagiram a estas novas leis da Hungria, ponderando se o país era digno de continuar na União Europeia. Esta pressão fez com que o governo de Orban mudasse a Lei de Imprensa.
Porém, o desejo de mudança não parou por aqui, aprovando, também em 2011, algumas mudanças polémicas na Constituição. Por exemplo, criou-se uma situação favorável para que o partido mantivesse o controlo das instituições, depois de terminar o seu mandato, ao mesmo tempo que se diminuiu o poder do Supremo Tribunal relativamente ao orçamento e aos impostos, permitindo ao presidente dissolver o parlamento se o Orçamento não fosse aprovado. As críticas vieram de todo o lado – oposição, intelectuais e instituições internacionais –, afirmando que a nova Constituição era conservadora e discriminatória.
“Como é que um governo pode ter tanto poder?” é a pergunta que se faz e a resposta é bastante simples. Uma maioria de 2/3 no parlamento e um discurso apelativo. “Ele fala a linguagem do povo”, afirma Gabor Filippov, do Instituto de Análise Progressiva de Budapeste, que continuou dizendo que “o seu discurso [de Viktor Orban] advém dos mitos nacionais, da glorificação e da ideia de existir um ‘destino húngaro’.” Talvez seja por isso que consiga ter o apoio de grande parte da população do país.
Guy Verhofstadt, o líder do grupo liberal-democrata do Parlamento Europeu, defendeu uma punição para este país e “lançar com o Parlamento Europeu o procedimento previsto no artigo 7, parágrafo 1, do tratado da União Europeia”. Este artigo, em caso de violação dos valores da União, permite que certos direitos deste país sejam suspensos. Por exemplo, o direito de voto nas decisões europeias. Contudo e sendo este um assunto delicado, para avançar com este procedimento é preciso uma maioria de quatro quintos dos Estados Membros.
Apesar destas e de outras ameaças, as leis controversas continuavam a ser aprovadas na Hungria. Começaram a ser vários os grupos sociais afectados. Os jovens, com uma nova lei de acesso ao ensino superior. Os homossexuais, com a instituição do casamento heterossexual como a base da sociedade húngara. O controlo da liberdade religiosa. Os sem-abrigo, por terem zonas proibidas para poderem estar.
Estas constantes mudanças à Constituição levaram a que Durão Barroso, enquanto presidente da EU, alertasse o governo húngaro para o “cumprimento dos princípios democráticos da União Europeia”, sugerindo a suspensão do financiamento comunitário para o país. As críticas tiveram pouco impacto, já que o governou seguiu com novas alterações. A responsável da Human Rights Watch, Lydia Gall, aponta para a gravidade do governo húngaro não ouvir a União Europeia e de não respeitar o próprio Tribunal Constitucional.
Ainda este mês, o comité do Parlamento Europeu chumbou a nomeação do húngaro Tibor Navracsics (ex-ministro da Justiça da Hungria) para comissário da Educação, Cultura e Cidadania. Na audição, este foi questionado sobre as políticas que o seu governo tomou relativamente a estas áreas: a lei para os ciganos e sem-abrigo, o programa escolar com livros de escritores nazis, etc.
Elegemos os nossos governantes através das eleições, mas pouco temos a dizer enquanto eles governam. No entanto, não elegemos quem governa a União Europeia. Quem tem mais voz? Quem tem mais poder num país? São questões delicadas e controversas ainda.