O artigo 13º da Constituição da República Portuguesa consagra a igualdade perante a lei, assegurando através da proteção máxima da Nação (que é a disposição constitucional), que nenhum indivíduo será beneficiado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Deduz-se, portanto, que as leis, incluindo as que dizem respeito à condução de um processo penal, são aplicáveis de igual forma a todo e qualquer indivíduo. Esta é uma afirmação verídica na teoria, mas não tão certa na prática.
As falhas da Justiça no que diz respeito aos políticos (e não só, o futebol também anda carente) são flagrantes. Não precisamos de mencionar todas as réplicas de casos BES que conhecemos ou de Operações Marquês, nem atiraremos areia à cara do leitor. As falhas são notórias, quase que sublinhadas a lápis vermelho (o azul parece estar escasso). Isto não significa, contudo, que a Justiça não esteja a fazer tudo no seu poder para suprimir esta falha. Não digo que não hajam juízes corruptos, embora goste de acreditar que uma classe com uma missão tão nobre não seja corrompível. Sei, ainda assim, que toda a gente tem um preço, basta jogar-se com o valor certo.
Pondo de parte os casos em que os juízes não foram dignos da sua profissão, admitamos que está a decorrer um processo de inquérito (que é o processo que antecede o processo penal em si, no qual o Ministério Público prepara a acusação, tendo em conta as provas que conseguiu reunir). Esse processo não tem, para já, prazo máximo previsto, embora o seu padrão usual sejam os seis meses, mas pode ser bem mais, caso o MP esteja a tentar obter provas complexas. Há duas questões aqui, em relação às quais a Constituição da República, garantindo uma igualdade direta, dificilmente nos poderá proteger das consequências indiretas. Falamos das convicções políticas ou das situações económico-sociais.
As convicções políticas, no caso dos deputados, implicam um leque de networking dos chamados friends in high places ou amigos nos sítios certos. Há sempre algum que consegue ajudar a dificultar aquela obtenção de prova, ou destruir uma outra ou, ainda, criar contra-provas. Aqui o tribunal está, inevitavelmente, de mãos atadas, porque se não há provas não sobra acusação. E, em todo o caso, in dubio pro reu, significando isto, em específico no Direito Português, que se o juiz não está com mais de 99% de certeza sobre a culpa daquela pessoa, não pode sentenciá-lo. O trabalho de quem defende é bem mais grato do que de quem acusa, porque o primeiro só tem que criar a dúvida no juiz, enquanto que o segundo tem que mostrar uma certeza quase absoluta. Num panorama em que as provas, pelo acima explicado, não são assim tantas, diria que estamos perante uma missão impossível. No final, o MP acaba por desistir do caso ou arquivar o processo.
A segunda questão relaciona-se com as condições económico-sociais e isto tem um impacto brutal. Não é novidade nenhuma que quem tem mais posses financeiras tem, de uma forma global, acesso a mais recursos. Agora imaginem o dinheiro que têm na carteira definir quantos anos passam na prisão ou se passam lá sequer. É o que acontece, na prática, quando um político suspeito de cometer um crime contrata o melhor advogado na área: o mais certo é que, mesmo chegando a haver provas contra essa pessoa, saia em liberdade ou com pena diminuída, porque, simplesmente contratou o melhor e ele foi, sem grandes surpresas, o melhor naquilo que faz.
Contudo, note-se, tanto uma como outra questão não são condições exclusivas dos políticos, mas, sim, de qualquer celebridade ou personalidade. O Ronaldo não é político e, mesmo verificando-se a veracidade das acusações em torno dele, o mais provável é nada acontecer.
A transparency International classifica, anualmente e através de uma série de critérios, todos os países, no que diz respeito à corrupção. O nosso país está, segundo o índice elaborado por esta entidade, em 2017, na posição 29ª. Isto demonstra, ainda, um país minado por corrupção. Se nenhum político o fosse, seria mais fácil apanhar aquela ovelha negra que foi corrompida. Num país onde raro é o que não corrompe, a Justiça não sabe para onde se virar.
Acresce que, apesar de tudo, o conceito de corrupção é relativamente permeável à cultura e, às vezes, encontra-se de tal modo enraizado que esquecemos o seu significado. A tolerância ou intolerância à corrupção também depende disto. Havendo um conceito mais lato, onde tudo cabe, há um cuidado acrescido. Claro está, parte de questões educacionais, também. Nos países do norte da Europa (já agora, muito bem classificados no Índice de Corrupção acima descrito), a corrupção é vista de tal modo vergonhosa que poucos são os que se atrevem a fazê-lo.
Para terminar, a questão de se saber se os políticos estão, ou não, acima da lei, começa com eles mesmos. Se os políticos olharem para eles como alguém onde a lei não chega, sim, estão acima, porque podem estar, tendo em conta os recursos que têm. Conclusão: os políticos estão acima da lei? Poderão estar, porque inevitavelmente têm meios para o fazer, mas escolherão não estar, se olharem para o cidadão comum de igual para igual.