“Sepultar os mortos e cuidar dos vivos.” Respondeu Marquês de Pombal a D. José, quando questionado sobre o que fazer, após o terramoto de Lisboa de 1755. Ficou para a História.
Respondeu também a actual ministra da saúde, Marta Temido, numa entrevista a semana passada, a propósito da penalização do erro médico. Tornou-se viral – o que basicamente significa ficar para a história…. da semana, talvez do dia.
Ora, se essa frase se pode aplicar bem a acontecimentos que ocorram devido a causas naturais, em que no limite o culpado é o aquecimento global ou o São Pedro, quando aplicada a eventos susceptíveis de responsabilização humana e, por isso, mesmo evitáveis é basicamente fazer a apologia do “sacudir a água do capote”.
Mais! Vindo de uma titular de um cargo público, que tem a responsabilidade política como inerente (em teoria pelo menos) à sua actuação, é não ter noção da função que ocupa. Dizê-lo num assunto tão sensível, que mexe com tantas vidas humanas, numa altura em que se sabe que o erro médico mata mais que os acidentes rodoviários, é deprimente. Circulatura do quadrado em nível de mau.
E eis que descubro que a Sra. Ministra tem o título de Especialista em Administração Hospitalar. Sem querer “meter água na fervura”, esta ligeireza no tratamento dado ao erro e/ou negligência médica torna-se assim mais compreensível.
No entanto, piorou. A Sra. ministra, apercebendo-se da infelicidade da sua expressão, remata:
Não será feliz [a expressão], mas muitas das coisas que acontecem na vida do nosso Serviço Nacional de Saúde não são felizes.
Outro tiro no pé.
Com o colapso em que está o SNS, utilizar a sua menção como sinónimo de “cuidar dos vivos” é anedótico. E, ainda, terá a Sra. Ministra consciência que se acontecem coisas infelizes no nosso SNS (e, oh, se acontecem) muitas delas seriam evitáveis ou colmatáveis? E que está à frente da pasta responsável por as evitar ou colmatar?
Ou terá noção que discursos desses, envoltos numa aparente impotência, são um insulto aos utentes que estão há anos em lista de espera para cirurgias, ou que têm consultas adiadas, ou cuja reforma não chega para suportar os custos?
Intervenções destas não podem ser desculpáveis pelo contexto em que foram proferidas, como o fez o vice-presidente do CDS, em jeito de tentativa de imparcialidade, ao compará-la às frases fora do contexto de Passos Coelho, na altura em que era primeiro-ministro e o CDS fazia parte do governo. Sendo certo que, efectivamente, a descontextualização é uma das maiores armas políticas da nossa era.
Pois, expressões destas revelam leviandade, irresponsabilidade e desrespeito não só na abordagem ao assunto em específico, mas também e principalmente no que a todos nós toca, ao exercício da função.
No entanto, até se compreende, deve ser o estilo que o departamento de comunicação dos ministros uniformizou, pois o que este governo mais tem feito é “fugir com o rabo à seringa”.