Quando eu era (mais) jovem

Hoje escrevo na biblioteca, normalmente é um sítio calmo aos fins-de-semana. No entanto, parece que uma epidemia se alastrou por aí e está tão cheia que quase nem tenho onde me sentar. Lá me encaixo num cantinho, eu nem ocupo muito espaço, o meu portátil é daqueles pequeninos. À minha volta a juventude é tão abundante quanto livros, cadernos, canetas coloridas e olheiras. Acabo de me aperceber que é temporada de Exames Nacionais e os gaiatos lembraram-se de começar a estudar.

Começo a cismar, como cismadora que sou, e tento recordar quando era eu a enterrada entre pilhas de livros e apontamentos sublinhados a caneta fluorescente. Na altura, já achava cruel. Hoje continuo a achá-lo. A quantidade de matéria que pode ou não pode sair nestes exames é avassaladora! Lembro-me que naquele início de Verão, já fazia bom tempo de praia, não como este ano que ainda andamos de casaco. Desesperada olhava pela janela e quase que conseguia ouvir o chamamento do mar e da areia. Perdi a conta das vezes que atirei o livro de Filosofia para o outro canto do quarto. Lembro-me que sublinhei praticamente todas as páginas do livro de História. Reli os Maias, amaldiçoei os Maias. Perguntei-me uma e outra vez por que me tinha metido em Alemão, se o Francês é tão mais fácil. Porém, acabei por sobreviver. No dia dos resultados, respirei de alívio com o meu 16 a Português, o meu 14 a História e o meu surpreendente 18 a Filosofia (aparentemente ter uma professora detestável é uma boa motivação para o sucesso). Ri-me que nem uma perdida com o meu 9 a Alemão, mas principalmente com aquela colega que teve uma média de 19,5 e ainda estava na fila para se inscrever à Época de Recurso. Ri-me de alívio e fui aproveitar as minhas férias e o meu amor adolescente e recente.

Ao fim e ao cabo, com a excepção de, se calhar, umas quantas escolhas de moda que não entendo, a jovem que eu era não era muito diferente desta juventude que me rodeia, nesta biblioteca lotada. A ilusão de que toda a nossa vida será decidida por esta meia dúzia de exames é a mesma. Gostava de lhes dizer que sim, é importante, mas não é a coisa mais importante que vão fazer na vida. Eu sei que para quem ainda só viveu pouco mais do que uma década e meia, é difícil imaginar algo mais importante que o agora. Mesmo que eu lhes falasse em linguagem que entendessem, frente a frente, olhando-os nos olhos, não me iriam crer. Eu tenho o dobro da idade deles, que sei eu do mundo jovem? Talvez muito, talvez nada, mas ainda me lembro do que se sente: do medo, da dúvida se estamos a fazer a decisão acertada.

A vocês, jovens privados de vitamina D e do último Verão como adolescentes, apenas vos digo. É-vos permitido cometer erros! Escolheram Medicina e só conseguiram entrar em Farmácia? Não faz mal. Conseguiram entrar em Sociologia e ao fim da primeira semana já se arrependeram? Não faz mal. O que queriam na verdade era dar a volta ao mundo antes de se meterem em mais cinco anos de prisão? Força! Vocês são jovens, têm todo o tempo do Mundo. Nunca estarão mais atrasados que os vossos colegas de liceu. Vocês dão prioridade a viver primeiro um pouco. Quando os vossos amigos acabarem o curso e tiverem o diploma na mão com vinte e poucos anos, terão experiência zero do mundo real. Eu fui um desses e surpresa das surpresas! Nunca cheguei a trabalhar no que estudei. Emigrei, fugi de um país que na altura estava em crise. Aprendi tanto, tanto, lá longe e, agora que voltei, nem consigo imaginar como teria sido a minha vida se tivesse ficado cá, a jogar pelo seguro.

Arrisquem, cometam erros, rogo-vos! Não queiram chegar à minha idade com arrependimentos. Um bem-haja, jovens portugueses!

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