Não vos vou falar de alinhamentos. Vou falar-vos do desalinho em que saí do Pavilhão Rosa Mota – Superbock Arena na noite de 5 de outubro passado.
Como é que vos explico? Esperava tudo o que encontrei mas não esperava que me tocasse tanto. Não foi a comemoração da instauração da República no Porto, acreditem que não foi.
Foi a festa de uma banda que ama o público português e que teve sorte ao amor. É que os fãs adoram-nos de volta. Não se conseguem conter nessa retribuição de carinho. Sabem as letras do álbum lançado há meia dúzia de dias como se tivessem tido meses para absorver a poesia de Matt Berninger. Arranjaram tempo. Arranja-se sempre quando se ama.
Eu fiz por duplicar minutos na minha vida quotidiana para sentir as letras, para perceber os acordes, para adivinhar onde entra apenas uma respiração silenciosa de Matt a adivinhar a angústia ou a esperança que nos toca no próximo verso. Porque nos toca sempre.
O verdadeiro apreciador sabe, de olhos fechados, enquanto sente a música deles, que, ao vivo, em determinada palavra em particular, Matt vai fazer um gesto aflito. Que pode ser um aflito de morte anunciada; das tantas mortes que todos carregamos. Que também pode ser um aflito de debate interior que não se conforma com um simples encolher de ombros a esses fins de qualquer coisa. E se revolta e cria poesia e apela a um mundo de fantasia para além da crueza da realidade.
Talvez o segredo seja a vulnerabilidade. Há uma entrega absoluta quando The National encontra a profundidade de um público que carrega esse fa(r)do da saudade, da dor e da luz – apesar de tudo. Haverá talvez um território partilhado que faz com que os concertos da banda sejam tão especiais em terras lusas.
Foi o meu primeiro concerto deles. Ao vivo. Assisti no ano passado, em lágrimas, à transmissão do concerto em direto da edição do Rock in Rio 2022. E sei lá quantos já vi e revi através de partilhas do Youtube. Uma obsessão que acredito – muitos dos que os amamos – também sintam.
São uma das minhas bandas preferidas desde há, pelo menos, 16 anos quando lançaram Boxer. Imaginem a emoção que senti. Estive na terceira fila. A partir do encore fiquei mesmo na frente porque fui empurrada numa das várias vezes em que Matt veio ao encontro do público. E foi nesta fase, já no final do concerto, que senti com toda a intensidade a força que a banda tem. E a força que temos enquanto público. Acabei rouca a desafinar Vanderlyle Crybaby Geeks. O clássico perfeito para encerrar a festa. É que nós cantamos tudo em coro. Sem ajuda, até porque o microfone fica virado para o público. Sabendo instintivamente onde entraria cada respiração silenciosa de Matt, onde ecoa um acorde para ajudar na versão a capella. E dizemos até breve, ou melhor, gritamos. Suados, felizes e desalinhados.
Porque o amor é terrível.