Uma pasta estratégica na Comissão Europeia

Na passada quarta-feira, enquanto o nosso Repórter Sombra iniciava as comemorações do seu segundo aniversário, Jean-Claude Juncker, actual Presidente da Comissão Europeia, anunciava a lista completa dos seus comissários e respectivas pastas. Após algum tempo de entrevistas aos nomeados pelos países da comunidade, no meio de uma forte pressão e debate sobre a questão do número de mulheres na Comissão, Juncker finalmente mostrou a equipa que vai auxiliar os caminhos da União, durante os próximos anos.

Ao saber-se da divisão de pastas, no país onde nada está bem, da crítica pela crítica e do bota abaixo só porque sim, este rectângulo à beira-mar plantado chamado Portugal, embebido pelos debates de Antónios, automaticamente se ouviram as críticas da esquerda, quer à pasta, quer à pessoa de Carlos Moedas.

Quanto a Carlos Moedas, pouco ou nada tenho a dizer, mas há que referir um pormenor que acho deveras importante. Jean-Claude Juncker é um político com enorme experiência e resultados, tendo estado praticamente 18 anos à frente do governo do Luxemburgo. Europeísta convicto e conhecedor da realidade da União, tenho muitas dúvidas, face aos temas e responsabilidades de outras pastas, que escolhesse para gerir os fundos que irão estar nas mãos do comissário português, alguém sem competências.

O problema de muitos comentários negativos está na ambição. Face a uma comissão profundamente hierarquizada, a pasta que Carlos Moedas irá assumir poderá ser colocada numa posição de menor relevância política, pois, sem dúvida, não é de estratégia política, ou regulação económica da União. Contudo, às vezes é preciso olhar melhor para as coisas para poder compreender a sua verdadeira dimensão.

Considero que a pasta atribuída ao comissário europeu, a Investigação, Ciência e Inovação, que irá colocar nas mãos de Carlos Moedas cerca de 80 mil milhões de Euros para gerir até 2019, é uma das mais importantes áreas que a Europa terá, obrigatoriamente, de desenvolver nos próximos anos, se quiser, como um objectivo menor, ganhar terreno competitivo no mundo actual, ou, como um objectivo superior, ganhar independência e oferecer mais ao mundo.

A Europa vive momentos complexos, nos mais diversos níveis, muito devido a ser um continente com muitos países que tenta fazer uma união que, dificilmente nos próximos tempos, será política. Contudo, as sinergias que a União poderá desenvolver podem ser a solução para um redimensionamento da Europa numa escala mundial e uma das áreas fulcrais para isso tem, obrigatoriamente, de ser no domínio da pasta do comissário português. A Europa precisa de se unir nestas matérias, de forma a poder criar dinâmicas de desenvolvimento entre os vários países, não apenas alguns, mas todos, aproveitando o mais diverso trabalho que se faz pelo continente.

Com uma China que domina a produção fabril das coisas mais simples às mais complexas, ou com uns Estados Unidos da América que dominam campos tecnológicos, entre outros, ou até mesmo com a emergência de economias como o Brasil, a União Europeia tem de se focar no desenvolvimento científico e na inovação tecnológica para poder criar uma verdadeira e fulcral vantagem competitiva. Esta é a diferença que a Europa poderá fazer em relação ao mundo, elevando-se e tornando-se num cluster de inovação aos mais diversos níveis, aproveitando os diversos recursos físicos e intelectuais dos países.

O desafio de Carlos Moedas, assim como o de Juncker e, em última instância, da própria União, é o de tornar este investimento o mais produtivo e focado possível, não olhando para egos patrióticos, mas sim compreendendo quais as mais-valias de trabalho desenvolvido em cada país e promovê-lo de forma incisiva para que possa dar resultados concretos nos próximos anos. Um dos países que muito tem a ganhar com esta aposta europeia é, precisamente, Portugal, não por ser o país de origem do comissário, mas sim porque no nosso país estão polos muito importantes onde o trabalho de inovação e investigação se faz e que necessitam de um maior crescimento, algo que só poderá ser feito com a intervenção europeia.

Se este projecto, o Horizonte 2020, for verdadeiramente bem sucedido, a Europa poderá criar condições de sustentabilidade como poucos locais no mundo têm, não só para si como para poder oferecer aos mais diversos países, seja através de patentes, ou mesmo de resultados concretos, como a cura de doenças, ou criação de tecnologia que poderá melhorar a qualidade de vida.

É verdade que esta pasta pouco, ou nada tem de política e muito de técnica, mas já compreendemos, creio, que a política não é o que faz os países desenvolverem-se, mas sim o que eles realmente fazem para a sua sustentabilidade, desenvolvimento e evolução e, nessa perspectiva, sem dúvida que o comissário português não tem uma pasta técnica, como muitos afirmam, mas sim uma verdadeira pasta estratégica.

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