A espiral do dinheiro

De tempos a tempos, acordamos com mais um escândalo, que envolve tanto os de quem poderíamos suspeitar da sua honestidade e, menos evidente, o seu mérito na obtenção de sucesso e fama, como os de quem pouco temos ouvido falar.

Há uns anos, Edward Snowden revelou planos de vigilância da NSA (National Security Agency) dos Estados Unidos da América, que nos deixaram a todos bem menos seguros, no que devia ser o papel de uma Agência americana contra o crime organizado, a espionagem de Regimes não democráticos, as ligações políticas de líderes mundiais, com factos e pessoas ilegítimas, ilegais ou ilícitas.

Wikileaks foi o site que ficou conhecido pela atitude de coragem de Julian Assange, com ligações também a Snowden, onde se desvendaram documentos secretos, tal como Snowden o fizera, que comprometem EUA, os seus e outros líderes, nem sempre com ligações claras com regimes suspeitos.

Os objectivos de autoridades do país mais democrático do mundo e dos que a ele se ligam, seriam e serão a luta contra o crime, o terrorismo e com o intuito de nos trazer mais segurança, mas a insegurança com que tais escândalos nos deixou ainda está por avaliar na sua totalidade.

Normalmente, por formação e por convicção, associamos os líderes de países democráticos a factos que nos asseguram as nossas condições de vida, neste cada vez mais inseguro Mundo Ocidental. Normalmente, associamos os líderes da nossas Economias e das grandes empresas e do sistema financeiro de cada país ocidental, a tudo o que contruiu esta nossa Civilização, ao mérito, à licissitude, à transparência e à legitimidade de tudo o que nos parece ter sido feito para evolução económica e social. O dinheiro e quem o possui é associado, por norma ao lado bom da sociedade, permitindo progresso e futuro, com tudo o que de melhor nos pode dar. Em geral e mesmo tendo mentalidade de “esquerda” (que se diverte a atacar meios de riqueza e desenvolvimento, para tudo fazer igual, como todos os outros, tanto por falta de alternativa, como de vontade própria de se colocar do mesmo lado da sociedade: o que possuiu o poder do dinheiro).

Habituámo-nos tanto a ver a nossa vida e a dos outros associada a este lado “bom” da economia e sociedade, que nos custa levantar a dúvida da atitude corrupta e ilícita de tantos personagens, hoje postos em causa. E nos custa admitir que no mundo do dinheiro há diferenças fundamentais, no sentido em que mesmo sendo dinheiro, útil para as mesmas finalidades, a sua origem e o seu rasto pode levantar dúvidas sobre se todo o dinheiro e poder que se lhe associa é igual e igualmente legítimo. Mais, se um país carente de investimentos e de dinheiro, deve ou não efectuar uma triagem (se fosse possível) sobre a origem e rasto do dinheiro.

Muitos pretendem ainda hoje, associar as revelações dos “Panama Papers” a órgãos de comunicação e a jornalistas com ligações a alguma esquerda perversa, mas o facto é que parece haver mais gente directamente ligada ou fazendo parte do Poder em países comunistas ou socialistas do que a outros. E parece hoje ainda mais evidente que muitas individualidades serão poupadas a esta avalanche de revelações, nem sempre tão inesperadas, por fazerem parte de sistemas e regimes ainda intocáveis. Até um dia.

Há muitos anos, suspeitas sobre negócios como os diamante e o ouro, levaram a revelações que, na altura, não foram muito bem levadas em boa conta, ou se tornaram mesmo alvo de algum ridículo. E, no entanto, factos posteriores, pareceram indicar a veracidade de algumas dessas revelações. Designações como “diamantes de sangue” tornaram-se símbolo de algum poder escondido e perverso que manchavam o bom nome de alguns milionários deste nosso mundo tido como o mais perfeito e civilizado. A família De Beers, ligada ao negócio dos diamantes teve de efectuar uma mega-operação de lavagem de imagem e uma outra de Marketing na defesa dos seus produtos, do seu negócio e do seu poder.

Os Panama Papers revelam cada vez mais investimentos em Offshores, por parte de líderes “do povo”, do regime chinês, russo, sul-americanos diversos, mas também de gente dos negócios e alta finança, que nos deixam com dúvidas sobre praticamente quase todos os poderosos da economia local, portuguesa, europeia e da economia mundial. Demonstrando assim que o mesmo dinheiro que é “lavado” através de um muito complexo de múltiplos investimentos, tanto serve para lançar um negócio novo num país já desenvolvido, como num outro emergente, como ainda para financiar regimes de violência e sangue, como o da Síria, o de Moscovo, da China e veremos quantos mais.

Demonstra-se assim que o rasto do dinheiro não é todo igual. Que o dinheiro não é todo igual, apenas por termos necessidade dele, ou por ser apenas dinheiro. Com ele, tanto se desenvolve um local, um negócio e um país, como se mata sem qualquer escrúpulo. E é “o mesmo” dinheiro, tantas vezes. O que nos devia levar a interrogarmo-nos sobre se todo o dinheiro é mesmo igual e como tal deve sempre ser aceite, apenas por nos colocarmos do lado dos que acreditam na iniciativa privada e na necessidade absoluta do investimento. Do lado do dinheiro.

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