“O cinema é uma arte complexa e inexplicável: de cada dez filmes americanos, um é óptimo, dois são bons, três regulares e quatro fracos. De cada dez filmes nacionais, todos dez são de boa qualidade.” Esta frase do jornalista brasileiro, Leon Eliachar, transparece, de forma inequívoca, a natureza subjectiva do cinema e a dificuldade em chegar a conclusões definitivas sobre esta forma de arte. Porém, tal não impede que tanto críticos, como fãs de cinema reflictam, discutam e escrevam sobre aquela que é considerada a 7ª arte.
É precisamente no âmago desta teia de reflexões e considerações que surge a eterna discussão sobre a originalidade do cinema norte-americano. Falamos aqui fundamentalmente dos filmes produzidos pelos grandes estúdios cinematográficos e facilmente acessíveis ao público nas salas de cinema mundiais. “Separado em dois grandes nichos, o cinema norte-americano é provavelmente a mais variada e uma das mais prolíficas cinematografias mundiais. A despeito do cinema de indústria ser o carro-chefe da cultura daquele país (…) também é de lá que vêm alguns dos melhores “filmes de autor” já realizados”, esclarece Eduardo Resing, professor do curso de Cinema e Animação na Universidade Federal de Pelatos.
A eterna discussão sobre a perda de originalidade do cinema norte-americano tem ganho mais pujança na última década, consequência directa do crescente número de sequelas e adaptações a figurarem nas salas de cinema mundiais. É inegável que as sequelas, adaptações e remakes/reinvenções não são um fenómeno recente no seio da indústria cinematográfica norte-americana, mas, curiosamente, nos últimos anos, esta tendência tem vindo a crescer exponencialmente. Para confirmar este facto, basta observar o Top 10 dos filmes mais rentáveis de 2012, que conta com pelo menos oito filmes baseados em histórias previamente exibidas no grande ecrã. Quatro sequelas – Men in Black 3, Madagáscar 3, Batman – Dark Knight Rises e Ice Age 4. Três adaptações de obras literárias – Os Vingadores (Marvel), The Hunger Games e The Lorax – e ainda The Amazing Spider Man, que parece assumir-se como um remake de uma história amplamente conhecida do público mundial. Recorde-se que, entre 2002 e 2007, foram produzidos três filmes sobre o super-herói Spider Man, com Tobey Maguire como protagonista. Será isto um verdadeiro reflexo da perda de criatividade e originalidade do cinema made in EUA? Ou será antes uma estratégia de marketing por parte dos estúdios para assegurar público nas salas de cinema?
De acordo com um estudo elaborado pela revista norte-americana Variety, houve uma quebra acentuada das receitas nos cinemas nos países mais afectados pela crise económica. Portugal registou uma quebra de 11% das receitas, enquanto Itália e Espanha perderam no mesmo período 12% das receitas da box office, percentagem que significa perto de 300 milhões de euros de perda nas bilheteiras. Para David Hancock, um dos principais analistas do mercado cinematográfico dos Estados Unidos, “dois anos de declínio não é saudável”. A mesma publicação avançou ainda que em França, Reino Unido e Alemanha não se registou quebra nas bilheteiras.
Esta pode ser uma explicação, mas como já foi referido o fenómeno não é novo. Entre 2000 e 2011, é inegável o crescimento desta tendência. Durante a última década, os filmes com mais sucesso na box office foram as sequelas Lord of the Rings – Return of the King, Sherk 2, Revenge of the Sith, Dead Man’s Chest, The Dark Knight e Toy Story 3 e as adaptações para cinema de Spider Man, Harry Potter and the Sorcerer’s Stone, Harry Potter and The Deadly Hallows (P2) e The Grinch. A única excepção foi Avatar, no ano de 2009. Perante este cenário parece confirmar-se a ideia de que a originalidade abandonou a indústria cinematográfica norte-americana. Ou, possivelmente, estes números comprovam apenas que as pessoas gostam de ir ao cinema assistir a histórias que lhes são familiares e que lhes garantam um bom momento de entretenimento. Curiosamente, um estudo encomendado pela marca de gim Bombay Sapphire sobre a produção moderna de filmes revela que 81 por cento da comunidade internacional do cinema acredita que o grande público procura filmes originais, uma tendência confirmada pelo surpreendente sucesso do filme The Artist. Este estudo indicou ainda que dois terços dos entrevistados sentem que há uma escassez de filmes originais nas salas de cinema.
Contudo, há quem diga que não se deve reduzir a originalidade e a criatividade do cinema norte-americano aos blocksbusters e, na verdade, se alargarmos o nosso campo de visão, por exemplo, para os nomeados ao Óscar para Melhor Filme 2012 o cenário muda quase radicalmente. Na lista, encontramos títulos como The Artist (vencedor), The Descendants, Extremely Loud & Incredibly Close, The Help, Hugo, Midnight in Paris, Moneyball, The Tree of Life e War of Horse. Apesar de incluir quatro adaptações literária, esta lista de filmes demonstra uma faceta diferente do cinema norte-americano, de histórias originais que são pela primeira vez narradas na tela da sala de cinema a um público curioso por descobrir um final que desconhece. Não nos podemos esquecer também dos imensos filmes independentes que são apresentados todos os anos em festivais de cinema como Sundance, Tribeca e Festival South by Southwest. Parece, afinal, que a originalidade não abandonou o cinema norte-americano, apenas anda mais escondida dos olhos do grande público.
Como se pode ler no blogue http://heyuguys.co.uk, “quando tanto dinheiro está a ser gasto em grandes filmes, em sequelas e remakes, há pouco dinheiro não só para a produção de histórias originais, mas também para o marketing. Os Transformers estão a ser impressos em todas as lancheiras, expostos nas prateleiras de todas as lojas de brinquedos e dominam todos os outdoors. O dinheiro ganho com estes filmes permite aos estúdios apostar em filmes menores e menos rentáveis, mas qual é o interesse disso se ninguém sabe que eles existem?” Os meios de distribuição e divulgação para filmes independentes são gigantescamente menores em comparação com os recursos à disposição dos blockbusters produzidos pelos grandes estúdios cinematográficos, tornando, assim, o acesso do público a filmes independentes mais complicado, pois dificilmente terão conhecimento da sua existência.
Tendo esta análise em mente, será que podemos culpabilizar alguém? Quem serão os culpados por esta situação? Podemos apontar o dedo ao público que continua a escolher os blockbusters e, como se costuma dizer, a maioria é quem mais ordena. Enquanto as sequelas, adaptações e remakes continuarem a angariar audiências, os estúdios não têm motivos para deixar de produzir este género de filmes. Os estúdios, por seu lado, também têm a sua parcela de culpa. Afinal a esmagadora maioria do investimento em marketing destina-se às sequelas e adaptações, havendo, por isso, um enorme desconhecimento por parte do público sobre outros géneros de filmes em exibição. Se procurarmos bem, o cinema norte-americano continua a presentear-nos com argumentos originais e com filmes criativos. Entre uma história conhecida e uma original, a escolha é inteiramente sua!