A coexistência do antagonismo em África, em perfeita harmonia, é uma das particularidades que define este continente. A riqueza natural com que África foi abençoada contrasta com a extrema pobreza que se vive em muitos países, revelando um desequilíbrio entre a exploração dos bens e a distribuição da riqueza gerada. É neste paradoxo que vivem cerca de 1,5 milhões de habitantes na Kibéria, uma comunidade no Quénia, situada na capital Nairobi, considerada por alguns a maior favela do mundo.
Composta por 13 municípios, na comunidade da Kibéria a pobreza, o saneamento precário, a falta de saúde ambiental, as “construções temporárias” e a HIV pandémica são problemas que já fazem parte do quotidiano da população. De uma pequena comunidade de soldados Núbios (sudaneses), instalada em 1912 pelo governo britânico, nasceu um dos maiores guetos do mundo, que registou na década de 70, uma taxa anual de crescimento de cerca de 17%.
Crescendo de forma desorganizada e ilegal, o terreno onde se sediaram milhões de pessoas é propriedade do governo queniano que não fornece os serviços públicos básicos que garantam a subsistência da população. Os poucos serviços que existem estão na posse de privados e residentes locais, que criaram uma economia paralela à economia nacional, negociando todo o tipo de bens, naquilo que se assemelha a um mercado negro.
Embora seja a maior economia africana Central-Este, metade da população vive abaixo do limiar da pobreza e o desempenho económico do país é pouco eficaz e sustentável, desvendado problemas crónicos e estruturais que minam o bom desempenho de alguns sectores, como o turismo.
Corrupção e problemas estruturais
A corrupção estrutural é um dos factores que mais tem contribuído para perpetuar a situação de miséria, em que muitos quenianos vivem. Os fundos de ajuda monetária, por parte de instâncias financeiras internacionais, foram durante anos desviado pelo aparelho político para uso pessoal culminando, mais que uma vez, no término dessa mesma ajuda (em 1997, o FMI suspendeu o programa de restruturação da economia queniana).
Sucessivos governos se comprometeram em combater a corrupção, liderada pela classe política, mas as tentativas tem sido sempre superficiais e não ousam mexer na estrutura económica, dominada por uma agricultura obsoleta carente de uma modernização. Quase 75% da população activa trabalha na actividade agrícola, explorando as matérias-primas que existem em abundância naquele país.
Contudo, este sector persiste em usar métodos tradicionais que já estão ultrapassados, que não permitem a rentabilizam da actividade e não dão resposta às necessidades internas. Ainda a escassez de terras férteis no país, apenas 15% da área é considerada boa para o cultivo, aliada aos grandes períodos de seca, que fustigaram a região central-este do continente africano, tornam difícil a sustentabilidade deste sector.
Também a exportação dos produtos primários a preços muito baixos, em contraste com as importações que são transaccionadas a um preço mais elevado, é outro dos problemas do Quénia, à semelhança de muitos países africanos. O saldo da balança comercial é constantemente negativo, havendo uma clara disparidade entre as receitas e despesas públicas o que contribui para a eternização do paternalismo da parte dos países desenvolvidos, impedindo um desenvolvimento real das estruturas.
Novo rumo, nova mentalidade
Em 2009, com o apoio das Nações Unidas e o governo queniano, liderado pelo ex primeiro-ministro, Raila Odinga, teve início o processo de realojamento da comunidade do Kibéria para cerca de três centenas de apartamentos, construídos ao lado da favela, como uma renda mensal de 10 dólares. Da urbanização fará parte uma rede de escolas, mercados, recreios e outras infra-estruturas que servirão de apoio para toda a comunidade.
A previsão aponta para que este projecto demore cerca de 9 anos a ser concluído, porém os atrasos já adiaram a primeira fase em dois anos. No entanto, mais que realojar a comunidade, uma mudança em toda a estrutura e cultura queniana terá de ser feita: não basta colocar um tecto sobre famílias inteiras que sempre viveram no meio do lixo, sem que haja uma melhoria nos salários e consequentemente na qualidade de vida; não basta construir escolas e outras infra-estruturas de apoio, se a prostituição e o trabalho infantil persistirem; não basta desenvolver políticas de emprego, se a corrupção continuar a reinar. A mudança tem de ser global e ir à raiz dos problemas para que os antagonismos cessem e o desenvolvimento económico chegue, finalmente, a todas as camadas da sociedade queniana.