Recentemente, depois de uns 20 anos, eu assisti Gilmore Girls novamente e foi interessante ver como a minha perspectiva em relação à série mudou.
Da primeira vez que assisti, eu tinha meus 20 e pouco anos, me identifiquei com Rory, a filha. Agora, com mais de 40 e mãe, me identifiquei com a Lorelai. Me identifiquei no sentido de papel social, porque minha situação é e sempre foi bem diferente das duas.
Caso haja alguém que não conheça essa série, é a história de uma mulher, a Lorelai, que nasceu em uma família rica, engravidou aos 16 anos e por vários motivos acabou saindo de casa e criando sua filha sozinha. Perdeu o contacto com os pais e construiu sua vida numa pequena cidade do interior dos Estados Unidos. Quando a filha era adolescente ela retomou o contato com os pais e a história gira em torno dessas relações familiares.
Nesse artigo, eu vou analisar a série do ponto de vista de mãe, e de como colocamos expectativas em nossos filhos, mesmo sem querer. Não sou psicóloga, psiquiatra ou psicanalista. Sou mãe, filha e viciada em séries familiares que se passam em pequenas cidades dos Estados Unidos da América. Queria que esse texto pudesse ser uma discussão, pois tenho muita curiosidade de ouvir outras opiniões sobre o assunto, portanto sinta-se à vontade para comentar.
***Contém spoilers***
Existem três figuras maternas bastante proeminentes em Gilmore Girls, a Lorelai, sua mãe Emily e a Mrs. Kim, mãe da Lane. São três figuras fascinantes, com diferentes estilos mas que, por diferentes motivos, foram “decepcionadas” por suas filhas.
Emily era uma mulher rica, queria ver a filha casar e constituir família com um homem do mesmo círculo, mantendo as tradições familiares. Lorelai sempre foi apresentada como uma rebelde, não se interessando muito por nada disso. Ao engravidar aos 16 anos, não casar com o pai do bebê e sair de casa, ela causou grande constrangimento e tristeza aos pais. Ao longo da série essa família tenta reconstruir seu relacionamento, mas Emily está sempre interferindo na vida de Lorelai, tentando fazê-la seguir o caminho que ela ainda acredita ser o melhor para a filha.
Mrs. Kim é uma senhora coreana bastante religiosa, que esperava que a filha casasse dentro da religião, com um homem de descendência coreana e que vivessem uma vida semelhante à sua. Lane no entanto, decidiu virar baterista, casou-se com o guitarrista da banda (nada coreano ou religioso) e logo teve filhos gêmeos. De forma surpreendente, ao longo das temporadas, Mrs. Kim aceitou a escolha da filha e, quando Lane queria desistir, sua mãe a encorajou a buscar seus sonhos, mesmo sendo diferentes daqueles que ela desejava para a filha.
E chegamos então em Lorelai, uma mãe adolescente, que criou a filha sozinha, com a ajuda de amigos que ela encontrou em Stars Hallow, a cidadezinha onde foi morar quando saiu de casa. E é sobre ela que eu quero falar, porque a sua maternidade me trouxe muitas reflexões.
Lorelai é apresentada na série como uma mulher batalhadora, que conseguiu reconstruir sua vida e criar sua filha sem a ajuda dos pais, apesar de os pais terem muito dinheiro. Assim que a bebê nasceu ela começou a trabalhar em uma pousada, foi crescendo, virou gerente e finalmente conseguiu abrir sua própria pousada, a realização de um sonho para ela.
Enquanto isso ela criou Rory, uma menina extremamente inteligente, educada, estudiosa e, a princípio, bastante bem ajustada socialmente.
Rory desde sempre foi uma boa aluna, passou a estudar em uma escola particular e entrou na Universidade de Yale, uma das melhores dos Estados Unidos, no curso de jornalismo. Mas na última temporada, que saiu anos após o término das sete primeiras, Rory aparece desempregada, sem perspectiva, em um relacionamento com seu ex-namorado que agora tem uma noiva e termina grávida (muito provavelmente) dele.
Obviamente que eu não culparia Lorelai por isso, afinal, Rory era uma mulher plenamente capaz de tomar suas próprias decisões. Mas não quero falar de culpa, e sim da pressão que eu imagino que Rory tenha sentido durante toda a sua vida.
Sua mãe sempre fez questão de dar tudo para ela, fez inúmeros sacrifícios pessoais para garantir que sua filha tivesse uma ótima vida. Por exemplo, até os 16 anos de Rory, ela não teve namorados porque não queria que a filha os conhecesse, quando finalmente decidiu sair com Max, professor de Rory, acabou terminando o relacionamento por medo do impacto que isso teria nela.
Porém o maior sacrifício, do ponto de vista de Lorelai, talvez tenha sido pedir ajuda a seus pais para pagar a escola particular de Rory. Foi nesse momento que Emily e Richard voltaram à vida delas e a história toda se desenrolou.
A tensão do relacionamento de Lorelai com seus pais se refletiu diretamente em Rory, que por muitas vezes teve que fazer um papel de mediadora e, com frequência demonstrou ter mais maturidade que sua mãe.
E é nesse ponto que eu queria chegar. Apesar de Lorelai nunca ter dito a Rory o que ela deveria fazer com sua vida, ou seja, apesar de ela não ter colocado expectativas na filha (como Emily fez com ela), ao fazer tantos sacrifícios, ela pode ter criado em Rory uma necessidade de ser extraordinária, de não deixar que esses sacrifícios todos fossem em vão.
Por ser uma menina tão responsável, e se considerar melhor amiga de sua mãe, talvez Rory tenha acreditado que não seria justo decepcioná-la, depois de tudo que Lorelai fez por ela, e que por isso ela teria que ser a melhor em tudo.
Quando isso não foi possível, ela “quebrou”. Não soube como lidar com a frustração e talvez com o sentimento de ter decepcionado sua mãe e por isso tomou uma série de decisões erradas que terminaram com ela sendo editora voluntária do jornal local da sua cidade e grávida de um homem comprometido.
Como mãe, eu sei que nós fazemos o que acreditamos ser melhor para os nossos filhos, mas às vezes nos esquecemos de que esse melhor é referenciado pelas nossas experiências de vida e não pelas deles.
Quanto devemos nos sacrificar? Quanto podemos interferir nas decisões deles que acreditamos não serem boas? É possível ser mãe e melhor amiga? Que expectativas temos para os nossos filhos? O que fazer se eles decidirem seguir um caminho que não conseguimos entender?
Minha filha tem só quatro anos, mas a angústia já é real. Talvez por isso rever Gilmore Girls tenha mexido tanto comigo, porque eu entendi que não existe resposta, a gente só vai saber depois. Por enquanto só podemos dar o nosso melhor e torcer para que tudo corra bem.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Português do Brasil
O que pensas deste artigo?
