Cerimoniais SEM Cerimónias

Os anos passam e as Praxes continuam a ser gritos de guerra e palavras de ordem, jogos e brincadeiras de integração. Inocentes dizem eles!

Se fosse por outra razão qualquer – e quando falo em ‘outra razão’, digo por exemplo uma luta política ou social, uma manifestação por uns quaisquer direitos; se fosse por outras razões pode ser que até se compreendesse tanto os gritos como o acatar dos sujeitos.

Mas em prol das praxes? Em prol de padrinhos e veteranos?

«A mulher alta, a mim não me convém

Eu não quero andar na rua com o escadote de ninguém

Nem a magra, nem a gorda, nem a baixa»

Se não aceitam esses ‘maus-tratos’ ou ‘brincadeiras’ por aí, porquê aceitar de um igual nas mesmas condições socioeconómicas que vocês? O que vos leva a aceitar que são ‘um mero qualquer caloiro’ que merece ser humilhado e desprezado pelos mais velhos porque é uma tradição académica?

Onde anda esse Dom da Palavra, sempre imperativo e cheio de direitos e zero obrigações com que se emproam em casa quando alguém vos manda lavar a loiça, fazer a cama ou pôr o lixo fora?

Porque é que varrer o quintal é uma chatice, mas andar atado pelos pulsos a perfeitos desconhecidos a cantarolar em grupo ladainhas sem sentido cheias de sexismos e desdenho pelo próximo, é «giro»?

Qual é a fronteira entre a gracinha e o abuso? Porque se aceitam brincadeiras impostas (sim porque são obrigatórias, apesar de se autointitularem livres, existindo a ameaça de retaliações póstumas se não se entrar na graçola)?

Impera essencialmente na minha cabeça a necessidade de esclarecimento do que é que se ganha com isto? Tanto a nível académico como a nível pessoal e mais tarde profissional? Há mais de 20 anos que também eu fui caloira, de cara pintada a marcador permanente e roupas sujas e encardidas ad eternum e nestes anos todos nunca consegui compreender o que isso contribuiu para a minha formação?

E a tradição perpetua como se ninguém visse e fosse normal. Porque já é assim há muitos anos e porque sempre foi assim, são frases que se ouvem em muitas áreas e em várias alturas da nossa vida e a questão é: queremos arrastar isto? E se arrastarmos isto pelos tempos fora somos vítimas ou coniventes?

Coitadinhos dos caloiros ou que engraçados os caloiros, com as suas t-shirts manchadas e estragadas que mostram ao mundo civil que acabaram de entrar para um curso superior e que no segundo ano serão eles a gritar aos ouvidos dos que tiverem colocação na próxima rodada.

Os anos passam e isto de inocente não tem é nada.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
Share this article
Shareable URL
Prev Post

As Pontes de Madison County

Next Post

Unidos pela Estupidez

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Read next

Ser jovem em 2019

Nasci em 90 e fui adolescente na viragem do milénio. A minha geração sabe como era ser jovem, quando ainda não…