A Pulsação que faz Mourah vibrar

Como artista em todas as suas vertentes, desde a composição à produção e passando pela interpretação, Mourah vem falar-nos de Kardia, o seu mais recente trabalho, que reflecte aquilo que aprendeu e apreendeu das culturas que visitou nas suas viagens, que caracteriza como culturais e de estudo e não de férias. Mourah revelou-nos as parecerias artísticas que fez para este álbum e disse-nos, ainda, que não quer uma categorização de estilos musicais, mas uma libertação espiritual, compor e ouvir aquilo que gosta e em que se inspira. Nas suas palavras: “Kardia evoca o coração, o pulsar da vida, o passar do tempo. Uma pulsação que um dia deixa de ser…A vida é verdadeiramente curta e tremendamente frágil.”

Quem é o Mourah? Quando sentiu o apelo para ser músico?

Um artista que, como muitos outros, contínua com a vontade de criar e compor apesar das dificuldades do meio porque a paixão pela música fala mais alto. Sou uma espécie de canivete Suíço musical: autor, compositor, cantor, guitarrista e produtor. Despertei verdadeiramente pela música quando ainda era criança ao ver o filme do Prince, Purple Rain, com o meu irmão mais velho. Fora isso, em casa acordava sempre com Música Clássica, ou Jazz, os estilos preferidos dos meus pais…

O que retira dos países diferentes em que viveu e das suas raízes familiares que o influenciaram na pessoa e no profissional que é actualmente?

O filósofo e escritor francês do século XVI, Montaigne, disse que “viajar é a melhor das escolas”. O ensino que retiro pessoalmente é a tolerância perante o outro, e o respeito. Ao viajar (e não passar férias) apercebemo-nos o quanto cada cultura vale pela outra, que nenhuma é superior à outra, que somos todos fruto de uma mesma conjectura misteriosa celeste, divina. O medo da diferença e o julgar depressa, em mim tende em não existir, e isso devo-o às viagens e várias estadias.

Lançou recentemente o seu novo disco Kardia. Como caracteriza este trabalho?

Reflecte um pouco o que disse antes, não tenho medo de propor 10 temas com raízes estilísticas diferentes, pois é o que sou, um ouvinte de música caleidoscópio. Vivemos umas vidas altamente fragmentadas, com muitas actividades quotidianas, varias vidas numa só, reais, virtuais, possibilidades de estar no outro lado do globo em 20 horas. Talvez reflete um pouco isso o disco. Passamos por exemplo de ambientes tailandeses oníricos (By Siam Angel) a um drum’n’bass orquestral dos 70’s fictícia (Fragments of You), em 7 minutos.

Como aconteceu esta mistura de sítios de gravações? Está relacionada com a escolha dos estilos e das fusões que faz? 

Tem essencialmente a ver com as circunstâncias artísticas: queria imperativamente gravar a radiante e soberba Kika Santos que sempre admirei desde os Loopless e o meu amigo Pedro Pinto, contrabaixista fantástico (Rita Guerra, Quinteto Tati, banda do The Voice Portugal,…) e por isso vir a Lisboa foi o destino para essas sessões. A orquestra de câmara, sedeada em Skopje, Macedónia, foi gravada lá. Eles são excelentes executantes e o orçamento muitíssimo inferior ao das orquestras Suíças… A mistura e masterização tiveram lugar em Lausanne, pois queria trabalhar com o Greg Dubuis, um dos melhores da Suíça.

Em que se inspirou para a composição dos seus temas?

Foi um disco que demorou a ser realizado devido a vários factores… Os temas tiveram por isso tempo de crescer e encontram raízes em estratos da minha vida mais ou menos antigos. Inspirei-me como disse das viagens, com pequenos toques de lembranças auditivas, pequenos postais sonoros; de uma ruptura amorosa bem dolorosa; de um amor platónico; da ausência eterna de aqueles que partiram cedo demais; de um amigo que teve problemas ligados ao consumo de drogas; dos muitos sonhos que tenho; das amizades… Vejo estas composições como pequenos artigos “fait divers” de uma vida entre 7 mil milhões de outras delas, mas que porventura encontrará ecos emocionais.

Que mensagem quer transmitir com a sua música e, já agora, com o este novo álbum?

A mensagem de que a vida só faz sentido através de uma tentativa de crescimento espiritual baseado num amor universal, que passa pela música, pelo respeito da natureza e de todos… Para mim a verdadeira eternidade é o amor. A mensagem também de que o materialismo não leva a lado nenhum. Este novo álbum, como toda a minha música procura encontrar um equilíbrio entre música pertinente e sincera mas ao mesmo tempo acessível e inteligível para todos.

Kardia evoca o coração, o pulsar da vida, o passar do tempo. Uma pulsação que um dia deixa de ser… A vida é verdadeiramente curta e tremendamente frágil. Podemos abandona-la, não fazer nada dela, pois tudo está perdido de avanço, de uma certa forma. Mas podemos também escolher fazer dela uma bela aventura, procurar a beleza das coisas que ela nos oferece, aceitando a imperfeição que inevitavelmente decorre dela. O álbum no seu ADN sugere isso mesmo. Aliás, durante as gravações por vezes escolhi “takes” menos “perfeitos” mas que soavam melhor por terem um teor emocional mais interessante.

Para si, o que contém um coração?

Um coração contém o que tu és e o mundo como o vês. Um coração ronda os 12 centímetros mas com ele iremos até Marte. Um coração define os teus próprios limites.

E o seu coração, o que contém?

Muito amor que se traduz pela muita música que tenho ainda para compor e partilhar. Muitos sonhos, desejos, alguns receios, e um jardim segredo.

Se tivesse de explicar a um público que não o conhece, como caracterizaria o seu estilo musical?

Sempre tive dificuldades com esse exercício para ser sincero…mas abrange toques de Soul, de Pop, Trip-Hop, Rock, tentando aliar sons electrónicos com acústicos. A melhor explicação é tomar o tempo de ouvir o disco !

Gosta de fazer fusão de estilos, porquê esta predilecção?

Talvez por ter sempre admirado músicos que não têm medo de cruzar estilos, que evitam etiquetas, e procuram inventarem-se novamente por pequenos ou grandes toques a cada novo disco. Penso nos Prince, Beck, Björk, Tricky, Radiohead… E como disse anteriormente, um coração define os teus próprios limites. A nível musical o meu toma liberdades sem me preocupar do que as pessoas possam pensar.

Existe algum estilo que goste mais?

Diria que cresci e ouvi muita Trip-hop, músicas electrónicas, muita Funk, estilos que me parecem mais familiares…mas posso comover-me com todos os estilos…Ontem à noite adormeci com o álbum The Source do Jimmy Scott e esta manhã acordei com a Ana Moura! Não ao lado dela (infelizmente).

Onde poderemos ouvir-te nos próximos tempos?

De momento não tenho nada de demarcado para Portugal. Estamos de momento a contemplar datas para a Suíça (onde resido actualmente) e provavelmente a Alemanha de onde a editora Mole Listening Pearls é sedeada.

Que planos tem para o futuro?

Fazer mais concertos e editar um novo disco daqui um ano, já tenho alguns temas bem encaminhados, e até já tem nome.

Para terminar, pedimos-lhe uma mensagem sobre você aos nossos leitores.

A melhor mensagem sobre mim reside na minha música. Sugiro antes uma mensagem sobre os vossos leitores aos vossos leitores. Não deixem de apoiar os músicos comprando música. De facto ela tornou-se ainda menos palpável com o descarregamento em MP3, …e muitas vez feito de forma ilegal. Por vezes as pessoas só ouvem até através do Youtube. A música em si é um bem público e democrático. O que não significa que seja gratuito. Se desejam apoiar os artistas, comprem música, como compram bilhete quando vão ao cinema, como compram um livro, como compram o passe para viajar de metro…As viagens musicais levam-nos bem mais longe, são mais belas. Não terão elas também um preço?

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Comments 1
  1. Bela entrevista e profunda. Comprei o disco, Kardia , a semana passada. Devo dizer que há muito tempo que não tinha tido uma “viagem” musical tão original, sincera e vibrante…Espero que o Mourah seja reconhecido pelo o imenso talento que demonstra. Transpira sensibiliade inteligente. Acho que sou uma fã!:)) Vânia (Braga)

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