Maria,
Vieste pela areia ter comigo, de pés descalços, sem te ter perdido.
Vieste de mansinho e sussurraste-me palavras doces no ouvido destemido meu, sem te ter pedido.
Vieste qual força poderosa de destruição maciça da minha natureza fortificada em muros de Berlim. Ao longe, te vi, caminhar para o meu encontro e sabia-o bem que esse caminho passava por mim, enquanto não acabava aqui, em mim.
Vieste, serena, nos passos vagarosos, para que eu tivesse a certeza de que vinhas. Depois, o futuro te levou e no presente nunca te vi, senão passar.
Mariazinha de pés nus, cabelo d’oiro esvoaçante e olhos cor de mar, vieste pela areia de uma praia deserta ao encontro efémero prazenteiro de dois corpos que se olham afogando-se um no outro.
Vieste da finisterra, de muito longe, caminhaste na certeza de me encontrares no sossego da noite escrevendo neste quarto moribundo onde as letras e as palavras formavam frases furibundas.
Não és, nem nunca foste daquelas Marias que vão com as outras. Nem vais donde os outros te esperam encontrar, vens-me no sabor de um olhar das profundezas deste mar que é a vida das memórias de um baú empoeirado de sombras espirituosas.
Vieste onde nunca chegaste, por não te saber em mim, porém nunca te esqueci na calma aparente de um sonho utópico.
Vieste, talvez, de um planeta com nome de número e aterraste na minha terra-mãe, acoplando-te no meu refúgio murado contra os sentimentos dos humanóides disfarçados de outro.
Maria, depois de te ver, nunca mais te pude observar a equidistância que nos separa na linha do tempo-espaço desta luz de estrelas que já não há. E se até no céu nocturno vemos o nosso passado a desaparecer, que será do nosso futuro longínquo.
Vieste qual espectro de sabedoria do amor que nunca tive, para me dizeres ao ouvido as palavras proibidas da minha lista de escudo proteccionista.
Maria, deitaste-me os muros abaixo e sem remédio à vista me apaixonei inocentemente por ti.
Qual relâmpago feito trovão entraste-me pela vida adentro sem pedir licença e nem dar desculpas.
E depois, lembrei-me que afinal, Maria, não eras mais que uma lembrança nostálgica da infância, que sempre pura e simplesmente deseja ser feliz.
Fico-me deitado nesta areia que se me esvai por de entre os dedos, sabendo que um dia Maria te encontrarei no céu do Olimpo feroz.
Essa esperança não ma podes tu tirar, porquanto não se sabe o que haverá para lá das estrelas do limbo deste universo, se és tu, se sou eu, que lá moramos, ou se nenhum ser habita a quadratura para além da vida terrena, que de tão aborrecida só me deixa sonhar alto.
Vieste, Maria e deste-me cabo deste deserto de desassossego dos desamores que há em mim.