Se pensa que já viu tudo e que nada o poderá surpreender, então, veja “No limite” e percebe como está enganado. Esta série americana, recheada de extraordinários actores que têm crescido com ela, permite-nos entender que a vida é muito mais do que aquilo a que estamos acostumados. É difícil destacar qual a melhor interpretação, pois todos conseguem superar o limite da realidade e nos fazem reflectir sobre aquilo que pensamos. É a história duma família, os Gallengher, cujo pai, Frank é uma autêntica fénix. É uma pessoa intratável, negligente, infantil e totalmente manipulador. Do casamento com uma mulher que o trocou por outra, nasceram vários filhos. Fiona é mais velha e luta, diariamente, para manter a família unida e dar educação aos irmãos, tarefa que parece quase impossível devido ás reviravoltas da vida.
Frank é um drogado e alcoólico inveterado que acaba por ficar às portas da morte. Mas como “todos os sacanas têm sorte”, consegue a benção de um transplante hepático. É aí que conhece uma médica por quem se apaixona perdidamente. Na verdade, ele é um mulherengo, mas interesseiro e, desta vez, o amor é verdadeiro. Como a vida é real e assustadora, a médica, uma jovem bem-comportada e convencional, descobre que sofre de cancro. Os últimos tempos da sua vida são alucinantes, vividos com Frank que a leva ao limite inimaginável. Acaba por falecer, o que destrói o seu namorado e o faz recuar em termos funcionais.
Antes deste amor impossível, já tinha experimentado uma relação com uma mulher maníaco-depressiva que se recusava a sair de casa. Era casada com um homem estranho, como convém nestas histórias que relatam a vida americana, e tinha uma filha que foi namorada de um dos filhos de Frank, Lip. Esta fica grávida e, como se calcula, não se sabe quem é o pai. Esta ligação entre as duas famílias origina situações hilariantes e completamente incontroláveis. Às tantas a rapariga arranja um namorado com características peculiares e vivem todos na mesma casa. A mãe da rapariga é particularmente “louca” e aquela casa é a prova de que regular e normal são somente palavras e não situações.
Lip é bastante inteligente e é aliciado para frequentar a universidade. Claro que o campus vai permitir outras relações e circunstâncias que só esta família consegue viver. A relação com uma professora, em particular, em nada o favorece e torna-se negativa par ele. Liga-se, sentimentalmente, a uma pessoa que é totalmente despegada de convencionalismos e sentimentos. Uma confusão que este rapaz tem de enfrentar para sobreviver. Vários empregos, aulas, família e vida particular.
Carl é o rapaz problemático (se assim se pode dizer em relação a esta família) que não se identifica com a cor da pele. Tem uma entrada na adolescência complicadíssima, com o despertar sexual a ser incentivado pelo pai. Entre as mil e uma peripécias que vive, acaba por ser preso por tentar matar o sobrinho, um miúdo obeso, estúpido, aparvalhado e nojento, filho duma irmã que todos desconheciam. Na prisão torna-se um líder “negro” e regressa a casa, sem aviso prévio, com um dos seus “subordinados”.
Liam é o filho negro de uma família branca. Um gene que lhes pertence e que desconheciam. É uma criança que está à solta nesta família disfuncional e que, um dia, é vítima de uma overdose de cocaína, mas sobrevive. A sua irmã mais velha, Fiona, é presa e vê a sua vida toda virada do avesso.
Fiona é a mãe desta pandilha toda que a preocupa e atormenta. Esforça-se por lhes dar uma vida minimamente digna e correcta. Tarefa que se vai mostrando impossível e dramática. Entre os seus muitos amores, conhece um sujeito que a ama e a ajuda na tarefa de cuidar da família. O dinheiro também vai entrando naquela casa, mas as verdades é que não. Desaparece e volta a aparecer. Pelo meio ela acaba por se casar, num impulso, com um músico que mal conhece. Existe uma grande diferença entre sexo e amor, mas esta gente desconhece, claro está. Seja como for é uma mulher forte e determinada que une todos, é o fermento que faz crescer o bolo da ligação.
Debbie é a menina que tudo faz. Habituou-se. Entra na adolescência cheia de incertezas e receios, como normal nestas idades. Quer ser popular, quer fazer como todas as outras, quer apaixonar-se, quer perder a virgindade. De entre as várias tentativas, estabelece uma relação com um colega de escola. Ela toma a pílula, mas a vida é cheia de partidas e fica grávida. Conta-lhe e ele, à bom macho, foge e não assume a sua responsabilidade. Debbie fica destroçada não só por estar grávida e sozinha, como também por perceber como as coisas são na realidade.
Ian é outro irmão, o ruivo e homossexual, o que se revela um problema. Não pela sua orientação sexual, mas pela doença de que é portador, bipolaridade, que herdou da mãe. Todos se tentam desenrascar como podem e ele, além da sua elevada sexualidade, envolve-se com militares. Um caso ainda mais complicado para os irmãos, sobretudo para Fiona que tudo faz para o proteger. A questão maior é a aceitação da doença e o tratamento. Tudo ingredientes para um repasto faustoso.
Como se não bastassem todas estas “delicadezas” ainda se acrescentam os vizinhos, Verónica e Kev, cuja vida é igualmente mirabolante. É um casal multirracial, o que não é, de todo, um problema, mas as coisas complicam-se quando ela não consegue engravidar. Pede ajuda à mãe, que fica grávida do marido, na mesma altura que ela. A mãe tem um rapaz e ela gémeas. Uma delícia de situação que consegue proporcionar momentos hilariantes. Kev tem um bar que serve de casa de prostituição, explorado pelo namorado de Ian, que engravida uma das trabalhadoras. É fácil de entender e de acompanhar.
Como convém, não fornecerei mais nenhuma dica sobre esta série, fresca, de Verão ou de Inverno, que, apesar de ser ou parecer leve, é bem complicada e leva a uma profunda reflexão sobre os conceitos de família, amor, relações e sexo.