As obras não são só as que vemos na nossa terra. Aqueles projetos pessoais ou comunitários que procuram fazer a diferença também são obras. E tal como as que estão por aí, muitas simplesmente não aparecem feitas, ou demoram uma aparente eternidade.
Há quem aponte falhas ao sistema em vigor, incentivando uma gestão lenta por razões que vão desde o interesse próprio à grande muralha burocrática. É completamente legítimo, embora ignore as pequenas interações que frequentemente são munidas de retórica ideológica como forma de forçar a mudança ou fortalecer a sua razão.
Num artigo anterior abordei como pequenos mal entendidos podem impregnar grandes narrativas. Aqui navego o poder local. Por exemplo, começa uma reconstrução num parque de estacionamento, com novos acessos incluídos como acessos para indivíduos com mobilidade reduzida. As máquinas chegam e os homens dão inicio aos trabalhos, às vezes de madrugada para não causar embaraços no trânsito em áreas de serviço críticas ao normal funcionamento da infraestrutura e do seu uso pela população.
O empreiteiro, tal como todos na sua equipa, passa estas noites a orientar a obra, dar instruções, guiando as máquinas, lado a lado com os seus homens no cimento, nos buracos, na água, na chuva. Chega eventualmente o senhor engenheiro responsável pela obra. Na verdade não é o único. Alguns já estão com a mão na massa juntamente com o empreiteiro. Mas este engenheiro é especial: fez o orçamento da obra, sua responsabilidade em monitorizar, não tendo de fazer mais nada senão manter os seus sapatos polidos (coisa que não aconteceu com engenheiros alemães ou americanos, que sujam as mãos).
As atitudes deste engenheiro, tal como as do empreiteiro, são chave para o desenvolvimento da obra. Se um perde o respeito pelo outro, um simples mal entendido consegue atrasar uma obra desde meses a anos. Se o “sapatos polidos” mostrar uma atitude condescendente com o “mãos na massa” – algo comum, onde existe uma perceção de superioridade mantida pelo monitor, com canudo, que vê os outros na obra como seus súbditos – o “mãos na massa” começa a fazer exigências ou a ser encorajado a atrasar a obra. Atrasar a obra não é trabalhar devagar. É dar prioridade a outra obra, muito provavelmente aceite a meio da corrente. Eventualmente surgem atrasos. Estes atrasos são suficientes para o responsável de uma câmara, que monitoriza a obra, abrir um processo contra o empreiteiro. A obra para! Ao passo que a justiça portuguesa se desenvolve, demora esse tempo todo até que sejam reiniciados os trabalhos.
Por vezes é ao contrário. Quem acompanha a obra tem uma boa atitude, mas encontrou um péssimo ego e oportunismo do lado do empreiteiro. O monitor não abre processo para não atrasar a obra, mas fica em muitos maus lençóis se falha a data limite de conclusão. A mudança de estratégia força a novos contratos e revisão do orçamento.
É possível que a obra nem comece. Todos escolhem o orçamento mais barato, ou quase todos, em detrimento do próprio serviço quando acabada a construção e aberto ao público. Se o empreiteiro chega e uma das partes exige um aumento do orçamento, por exemplo, porque as lâmpadas têm de ser mais resistentes, logo mais caras, força a insolvência e tem de ser aberto um novo concurso.
A mudança de um item no orçamento é capaz de atrasar o inicio de uma obra em dias. Um patrão cheio de trabalho ou tirano, consegue jogar com as vontades e sentimentos dos seus empregados, neste caso do lado do engenheiro civil, forçando a mão deste, e por consequência o desenvolvimento das suas obras.
Aquilo que atrasa as nossas vidas, muitas vezes, não é o grande sistema. São pequenas decisões, pequenas rivalidades, que amontoam para consequências catastróficas para o desenvolvimento local. Porém, um sistema mal estruturado inflaciona o tempo de conclusão da obra. Se a justiça fosse rápida, a câmara municipal resolvia rápido o processo ou multa aplicada ao empreiteiro, independentemente de esta ter razão ou não. Por outro lado, esta também é uma jogada para forçar a mão e mostrar poder sobre a obra, quiçá, por um elemento da câmara que encontrou um ângulo para ganhar algum dinheiro por fora com a obra. Se a relação entre os engenheiros civis e respetivo patrão fosse boa, não demorava dias a enviar um orçamento. É completamente verídico um engenheiro querer colocar umas lâmpadas caras e resistentes de marca B, e ser barrado pelo seu chefe que exige uma marca A mais barata, porque entende que umas lâmpadas que tenham de ser mudadas de 6 em 6 meses à responsabilidade de outrem vale mais a pena. E assim, a obra não se inicia sem esta discussão ser resolvida.
O mesmo acontece com as “obras” da igreja, mas fica para o próximo artigo. Há muitas mais histórias imensamente complexas dentro do ramo da construção civil que chegam ao ponto de influenciar o voto e destruir ilusões. E é aqui que a transparência é importante para resolver estas decisões mais eficientemente e desincentivar ao atraso das obras e do desenvolvimento local.